O maranhense João do Vale completaria 89 anos no próximo dia 11 de outubro. De origem simples, logo na adolescência João se identificou em querer contar a história dos seus tempos em forma de música, eternizando suas canções na Música Popular Brasileira (MPB) ao lado de grandes nomes como Chico Buarque, Maria Bethânia e Tom Jobim.
Inspirada nesta história e por se identificar com as composições de João, que ainda hoje se refletem nos nossos tempos, a multiartista Danielly Daissak submeteu a um edital de cultura um espetáculo que envolve teatro e música ao Prêmio FCP de Incentivo à Arte e à Cultura da Fundação Cultural do Pará.
O projeto foi aprovado e está em fase de finalização do musical que conta a história do “Poeta do Povo” e será apresentado em Belém, no próximo dia 14 de outubro. A artista explica porque escolheu fazer um musical sobre João do Vale.
“O João do Vale aparece para mim nessa retomada [descoberta] da minha ancestralidade, das minhas origens. Eu nasci em Marabá, eu sou de Marabá, paraense, mas nesse movimento de pesquisa eu percebi que tanto a minha família paterna quanto a materna eram maranhenses.”
Imagens de arquivo do Google Imagens de João do Vale.
Os grandes sucessos e reconhecimento de João do Vale vieram após sua mudança para o Rio Janeiro na década de 1950, ano em que o país vivia em constante instabilidade governamental e as pessoas migravam de um estado a outro em busca de melhores condições de vida.
“Minha família toda migrou do Maranhão para o Pará nessa questão de buscar terras para viver. Porque [na década de 1960 a 1990] apareceram os fomentos de terras pelo Governo e as pessoas ocupavam as terras e surgiam os movimentos de ocupações das terras paraenses, então eu sou uma maranhense que nasceu no Pará.”
Ela ressalta que o João do Vale retrata em suas canções a vida de lavadeira, lavrador, jangadeiro, e são profissões interligadas a sua família.
Quando o João do Vale canta parece que eu estou ouvindo a minha própria história. É muito uma coisa de espelhamento mesmo. Então, João do Vale veio nesse movimento de retomada e do espelhamento da minha vida com a dele”.
Danielly este na UFMA campus de Imperatriz no dia 19 de setembro e participou de uma roda de conversa organizado pela Professora doutora Herli de Sousa Carvalho. Foto: Ascom Jefferson Sousa
O título do projeto e do musical são inspirados na canção ‘Pisa na fulô’ de composição do próprio João do Vale, e carrega o nome de ‘A Fulô – João do Vale’.
“O projeto é dividido em três momentos: a apresentação do espetáculo musical que acontece no Espaço Cultural Curro Velho, em Belém (no dia 14 de outubro); uma oficina cultural com o nome ‘Leitura de mundo: prática poética e brincadeiras da infância’ voltada às crianças nos dias 18, 19 e 20, em Belém”.
O terceiro envolve ensaio imersivo e rodas de conversas em Marabá (PA) e Imperatriz com a finalidade de alcançar mais pessoas e apresentar a sua família como forma deles conhecerem sua arte e assistir a homenagem ao maranhense João do Vale. Segundo ela, o espetáculo foi pensado como um projeto inicial a ser apresentado para crianças, adolescentes, jovens e famílias que vivem nas proximidades do rio Guamá, da capital.
“A gente propôs interpretar o artista João do Vale nessa perspectiva da cultura popular. Então o projeto vai ser apresentado nesse Espaço Cultural Curro Velho que promove a produção artística da cultura popular e valoriza mestres, mestras e é um espaço de inclusão. O bairro periférico se chama Telégrafo, em Belém. É um bairro que vivem crianças e idosos, Pessoas com Deficiência (PCD´s) e é um espaço que tem toda uma estrutura para receber qualquer tipo de pessoa. É um espaço planejado e atende a perspectiva da inclusão, por isso o projeto foi pensado para esse lugar.”
Por meio do espetáculo ela busca ainda comunicar a conexão existente entre a história e a musicalidade de João do Vale para a realidade das pessoas que vivem no bairro Telégrafo. Outro objetivo do projeto é mostrar aos espectadores a arte e o artista, pois é comum conhecerem as músicas de João do Vale e não saberem que foram compostas por ele. “Muitas pessoas interpretam Cartola, Chico Buarque e eles já são famosos justamente por pessoas que interpretaram suas canções”.
Imagens de arquivo do Google Imagens de João do Vale.
Danielly deseja ainda que o público se reconheça pertencente à Amazônia Legal, Cerrado e a Caatinga, “pois a música e sua interpretação caminham de mãos dadas com a identidade do artista, justamente o que acontece em suas composições”, destaca a artista. João carrega o apelido de ‘Poeta do Povo’ porque em suas canções canta sobre o sertão, da falta de água e da realidade do seu povo.
“É até interessante a gente está do lado do rio Guamá e falar sobre os aspectos que se encontra aqui no Maranhão e no Pará que se conectam aos três biomas: Amazônia, Caatinga e Cerrado. Estou trazendo uma questão geográfica muito forte no espetáculo e a ideia é trazer essa aproximação mesmo. É levar o público a perceber essas semelhanças”.
A artista escolheu as músicas mais conhecidas de João do Vale para compor o espetáculo. Ela explica que o projeto ‘A Fulô – João do Vale’ foi programado para ser realizado uma apresentação única. Porém, alimenta o desejo de buscar outros recursos para circular em mais estados, por exemplo: Imperatriz, Marabá, São Luís, Brasília.
Participam com ela do espetáculo Denilson Moreira que toca violão, na percussão é um casal da cultura popular de Belém que se chamam mestre Flávio Gama e mestra Antônia Conceição. Os quatro artistas trazem ainda algumas canções no ritmo do Carimbó que inclui tambor de Maracas.
Sobre a multiartista
A multiartista Danielly Daissaky tem 29 anos, é estudante de pedagogia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), campus Imperatriz e no momento está em mobilidade acadêmica na Universidade Federal do Pará, em Belém.
Se considera autodidata e sempre teve o fazer artístico como parte de sua vida. Ela se define como uma mulher que possui descendências afro indígenas. É uma mulher não branca, embora seja de pele clara. “Estou nesse movimento de me reivindicar como não branca justamente por não me identificar com todo esse processo de colonização, mas também entendendo esse lugar do racismo que a gente vive, que tá na cor da nossa pele ainda.”
Pontua ainda que está num processo de descoberta a partir de coletivos nas comunidades. “Como por exemplo a comunidade a que a dona Querubina pertence e conhecendo pessoas como a dona Querubina”. Por ser uma participante de movimentos, dia após dia, ela se descobre enquanto mulher trabalhadora, filha de mulher trabalhadora, artista e uma artista popular.
Entrevista concedida no dia 20 de setembro na UFMA, campus de Imperatriz. Foto: Ascom – Jefferson Sousa
Jornalista especializada em Assessoria de Comunicação Organizacional e Institucional. Já vivenciou experiências profissionais nas áreas de publicidade e propaganda, produção de documentários, radiojornalismo, assessoria política, repórter do site jornal Correio de Imperatriz e social mídia. Boa parte de suas experiências profissionais foram em assessorias de comunicação institucional de ONGs, com ativismo social voltado para a defesa de direitos humanos, justiça socioambiental e expansão da agroecologia na região do bico do Papagaio; esses trabalhos ocorreram nas cidades de Açailândia, Imperatriz (MA) e Augustinópolis (TO).