Regiane Borges: Atleta de Mixed Martial Arts (MMA)
Regiane Borges (Tatália). Ilustração: Idayane Ferreira

Antes de iniciar nosso perfil do Dias Mulheres Virão de hoje, gostaria de partilhar com vocês como cheguei ao nome da Regiane. Todos os meses, nós do Assobiar, levantamos nomes de mulheres, entramos em contato, fazemos uma bate papo on-line, transcrevemos a entrevista e depois escrevemos o texto em formato literário que, no site, é acompanhado de uma ilustração. A ilustração sempre fica pronta antes do texto (sempre). Assim que tenho o nome da pessoa, escolho uma foto nas redes sociais e já começo a desenhar. Dessa vez, eu queria falar de alguma atleta, de alguma mulher com quem eu não tivesse tanta proximidade e que não fosse do meu ciclo de amizades. Então, pedi uma dica para o meu irmão mais velho que sempre apoia e acompanha os meus projetos e é um grande incentivador, além disso é praticante do skate. De pronto ele disse “faz um perfil da Regiane Borges, lutadora de MMA, ela ainda não é tão conhecida, está no começo, mas já é uma promessa e ainda vai ser muito grande no esporte”. Me passou o Instagram dela e o contato de telefone. Ela me respondeu, aceitou meu convite e marcamos uma chamada de vídeo pelo WhatsApp. A nossa conversa foi muito boa, aprendi várias palavras novas e sobre modalidades de luta. Aprendi também que para ser lutadora é preciso mais do que tática e punhos fortes, necessita de muito coração.


A imperatrizense Regiane Borges (@borges.tatalia), de 23 anos, já se aventurou no skate, nos patins e até na bike, mas foi mesmo na luta que encontrou o seu lugar. Pugilista profissional, atualmente mora na cidade mineira de Varginha. “Estou no mundo do MMA agora, na verdade eu vim para cá para poder aprimorar meu conhecimento no MMA e se Deus me permitir, com toda garra e com toda força, entrar no UFC”.

MMA é a sigla, em inglês, de Mixed Martial Arts, ou seja, Artes Marciais Mistas. O esporte usa técnicas de diversas artes marciais como Jiu-jitsu, Muay thai, Judô, Wrestling, Karatê, Boxe e até Capoeira. Inclui tanto golpes de combate em pé quanto técnicas de luta no chão. Já o Ultimate Fighting Championship (UFC) foi criado a partir dos combates de Vale-Tudo – precursor do MMA que conhecemos atualmente. Inicialmente não havia limite de tempo, equipamentos de segurança ou divisão em categorias como ocorre hoje. No MMA, as competições são divididas pelo peso e as mulheres podem competir em quatro categorias: Peso Palha (até 52,2 kg, feminino apenas), Peso Mosca (56,7 kg, masculino e feminino), Peso Galo (56,7 kg até 61,2 kg, masculino e feminino) e Peso Pena (de 61,2 kg até 65,7 kg, masculino e feminino). Homens podem competir em mais seis categorias, sendo a última para atletas com mais de 120,2 kg.

Mesmo com a pouca idade, a Regiane já registra seis lutas, sendo cinco vitórias e apenas uma derrota. Ela ganhou o cinturão do Centro Olímpico Tyson Boxing, após vencer a luta de boxe principal do evento Boxing Night, na cidade de Parauapebas (PA). Conquistou um cinturão na modalidade de Muay Thai, no evento Copa Guerreiros Thai, na capital Belém (PA) e uma medalha de ouro durante um campeonato de MMA, realizado em Belo Horizonte (MG). No mundo da luta é conhecida pelo apelido de Tatália, nome inspirado na escola onde estudava o Chris do seriado Todo Mundo Odeia o Chris: o Tattaglia. “Eu precisava de um apelido pra poder lutar, né? Todo mundo tinha um apelido e o meu era mão de pedra, só que eu não gostava muito do apelido (risos). Aí eu falei pro meu mestre se poderia colocar Tatália, eu assistia muito aquele seriado Todo Mundo Odeia o Chris e a escola lá dele e eu achei legal e coloquei”, explica.

O primeiro contato com a arte marcial ocorreu em 2016 em uma academia próxima a sua casa. Nessa época  ainda estava no ensino médio e o treino era mais para a perda de peso. No terceiro ano, ela quebrou a perna e quase desistiu de ir para a academia, foi quando conheceu uma colega que treinava na academia do mestre Senegal. “Ela lutava e eu vendo os vídeos, falei assim ‘pô, achei meu esporte’. Porque eu sempre fui do mundo do esporte, eu sempre fui a 220 da família”. Tatália explica que Senegal, mais que um mestre, é seu pai no esporte e a acolheu em sua academia. “Todo meu conhecimento atualmente é fruto da confiança que ele me deu. Cheguei lá, né? Olhei assim, ele ‘tu quer treinar? ’. E eu falei ‘cara, mas eu não tenho dinheiro’. Comecei a treinar e o único pagamento que eu podia dar pra ele era o meu foco e eu treinava todo dia”. Gastava em média 40 minutos de bicicleta da sua casa até a academia do Senegal, às vezes ia sozinha, às vezes acompanhada. “Eu sempre tava indo e, por assim dizer, eu tava viciada naquilo, né? Era minha terapia”.

Começou a treinar boxe em 2018 e no ano seguinte realizou sua primeira luta. Desde então não parou mais. Sua estreia ocorreu em Imperatriz (MA), em um evento do seu mestre Senegal, no dia 22 de novembro de 2019. Na plateia, um dos seus irmãos acompanhou a luta.  “Minha mãe disse que não ia assistir, mas meu irmão tava na plateia… eu olhei para ele e disse ‘liga pra mãe e avisa que eu ganhei’. Quando cheguei em casa, depois da luta, falei assim: é isso que eu quero fazer da vida e eu não me vejo fazendo outra coisa”. A Tatália é a caçula da família, que de início foi um pouco resistente sobre sua escolha pela carreira na luta, mas hoje em dia é a sua maior incentivadora. Seu sonho é conquistar um contrato e poder garantir mais conforto aos seus pais. “Meu pai e minha mãe sempre foram muito parceiros e sempre fizeram de tudo para mim e meus irmãos [Rodrigo e Railson] e meu maior sonho é poder retribuir tudo isso, porque não sei dizer, eles são tudo para mim, né?”. Ela ressalta que a distância geográfica só a aproximou ainda mais da família. “Minha mãe, toda vez que eu venço uma luta, eu lembro dela falando que eu vou conseguir, que é só um dia ruim, que vai passar, que ela confia no meu potencial. Meu pai também, ele falou que era para seguir meus sonhos, que eu ia conseguir. E se eu tenho o apoio dos meus pais, se eu tenho minha base firme, eu não tenho porque desistir”.

Na transição entre o boxe e o MMA, a atleta explica que sua maior dificuldade é a luta no chão, uma vez que como pugilista está acostumada com as movimentações do boxe, em que o combate é realizado em pé e há muita tracação da cintura para cima, isto é, trocas de socos e esquivas, sem agarramento. “Eu tenho que viver a luta no chão, porque não é uma luta fácil, é um xadrez muito complicado que a gente tem que tá treinando todo dia pra pode aprimorar cada vez mais”, ressalta. Atualmente em Minas, ela faz parte da equipe da Academia Ribas, da família da lutadora de MMA Amanda Ribas. Sua rotina consiste em 4 a 5 treinos por dia, de segunda a sábado, sendo que no último dia ocorre o circuito, uma preparação para uma luta real. É necessário também fazer musculação, ter uma boa dieta e beber bastante líquido. Tudo para tirar o máximo de proveito dos treinos e evitar lesões, como a que teve em um dos joelhos. Na academia, além dela existem outros profissionais da luta, que vieram de diferentes lugares, somando sete pessoas na “casa do clã”. Essa convivência, segundo Tatália, a tem ajudado não só a crescer fisicamente mais também o psicológico.

Ela demostra respeito pelas suas adversárias ao ressaltar que nenhuma luta é fácil. Antes de entrar no ringue sempre faz uma oração, agradece a Deus por estar ali e também por ter uma adversária. “Passa um filme completo de tudo que eu passei até ali e pronto é diversão. Porque eu digo que pro atleta quando entra no ringue aí é diversão, mas o processo pra ele chegar até ali é doloroso. Ao final da luta, agradeço ao meu oponente porque, vamos se dizer, se não fosse ele eu não estaria no ringue. Eu não estaria lutando e não estaria mostrando o que eu sei fazer de melhor”. Até agora, ela sofreu uma única derrotada, que ocorreu na luta com a paraense Mel Pitbull, atualmente atleta do Invicta (Invicta Fighting Championships) – campeonato mundial feminino de MMA. Sua última luta foi contra a mineira Bianca Blanka, que conquistou o pan-americano de Kickboxing. “Infelizmente contra a Mel Pitbull eu tive uma derrota, mas a Bianca eu consegui vencer por decisão unânime”, explica.

A atleta ainda não conta com patrocínios de marcas ou empresas, mas recebe pequenas ajudas individuais que já fazem diferença e eventualmente, faz também algum bico (trabalhos pontuais). Um dos apoios financeiros vem de Imperatriz, da Pizza Raiz. “Meu antigo serviço, que eu considero uma família mesmo. O Júnior… Nossa! Ele sempre foi um incentivador, né? Sempre me incentivou e me apoiou e eu agradeço muito ele hoje em dia. Tem o nome da pizzaria no meu uniforme e eu digo que são pessoas de bom coração que acreditam na gente”. Ela pontuou também que Imperatriz não oferece muito espaço para crescimento na área da luta, por isso desde que começou a treinar com o mestre Senegal foi sempre incentivada a ir para fora. “Existe muita visibilidade quando tem luta, meu Instagram até bomba, mas não é assim durante o percurso. A gente sabe quem tá lá e a gente sabe quem não tá, por isso que eu levo isso muito para mim, que quem tá durante o processo é o que dá gás pra gente poder continuar, porque nem todo dia a gente tá bem para treinar, pra levar porrada, pra poder aprender. Mas o que incentiva é quando a gente abre o Instagram e vê que tem aquela pessoa que tá torcendo por mim e é isso, né? Por outro lado, a gente sente uma falta de acolhimento da galera que tem essas lojas grandes e de patrocínios. ”

Há 2.200 km da sua família, dos seus amigos e de suas raízes, a Regiane leva sempre consigo a bandeira do Maranhão e o orgulho de ser maranhense. Nunca ligou para qualquer piada ou preconceito sobre mulheres no mundo da luta e tem nas lutadoras Amanda Nunes e Amanda Ribas, duas referências no MMA. Durante nossa conversa de quase uma hora fez questão de agradecer a todas as pessoas que a apoiaram e continuam apoiando neste percurso no mundo da luta como o seu mestre Senegal, o pessoal da academia Ribas, a família da Pizza Raíz e os amigos dos treinos. Além disso, ressaltou o quanto a luta não é sobre violência, mas sobre paixão, sobre respeito. “Violência seria se eu chegasse na rua e batesse em alguém, mas não, somos treinados para isso. Quando a gente está no ringue, a gente vai aplicar o que treina. A gente tá 24 horas vivendo isso, quem treina sabe, entendeu? Nossa essência é respeito, carinho. Então somos profissionais, quando a gente entra no ringue é para dar um show, né? De tudo o que o corpo humano consegue fazer, do que uma pessoa consegue fazer porque [a luta] é uma arte”.

Idayane Ferreira
Idayane Ferreira

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