São Luís: Justiça anula decreto de desapropriação na comunidade do Cajueiro

A Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) anulou Decreto de desapropriação referente aos processos de sete famílias do Cajueiro, em São Luís (MA). A ação derrubou a decisão do juiz responsável pelas ações da comunidade na Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Capital, Marcelo Oka.

O TJMA reconheceu, em 05 de dezembro de 2023, que o Decreto de Utilidade Pública (DUP) nº 002/2019, que previa as desapropriações, foi emitido indevidamente por Simplício Araújo, então Secretário de Indústria, Comércio e Energia do Estado do Maranhão (SEINC), no governo Flávio Dino [atualmente ministro da Justiça e indicado por Lula para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, STF).

Na decisão, os desembargadores Josemar Lopes Santos (Relator), Gervásio Protásio dos Santos Júnior e Antônio José Vieira Filho ressaltaram, com base no art. 6º, do Decreto-Lei 3.365/1941 (Constituição do Estado do Maranhão), que o ex-secretário extrapolou suas atribuições administrativas ao declarar utilidade pública para desapropriação de imóveis particulares.

Rafael Silva, assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT), explicou que a desapropriação passa por duas fases: a emissão do Decreto de Utilidade Pública (DUP), chamada de fase declaratória, e a fase executória, que envolve a ação de desapropriação e as indenizações.

“A Ação do TJMA discutiu exatamente a primeira fase, a fase declaratória. Ela foi editada por uma autoridade incompetente porque quem teria que ter editado esse decreto seria o governador do Estado. É o chefe do Executivo que emite decreto e ele não fez. Quem fez foi o secretário, ele não tem competência, então, é por isso que o decreto é nulo”, explica Silva.

Quando o acordo [acórdão] que anula o Decreto for oficializado, os processos de desapropriação das sete famílias devem ser encerrados, pois a ação de desapropriação só é válida se houver o decreto correspondente.

Repercussão na comunidade de Cajueiro

Horácio Antunes, professor do departamento de Sociologia da UEMA e membro do Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), que desenvolve pesquisas e ações de apoia à comunidade, ressaltou que a decisão foi recebida com alegria por moradores de Cajueiro como João Germano da Silva (seu Joca), de 90 anos. Ele reside no território há mais de 45 anos e está no centro da questão da desapropriação e do terreno pretendido nesse momento para a construção de um porto privado.

O senhor João Germano da Silva (seu Joca) ao centro (Foto: Raízes do Cajueiro)

“Falei também com o seu Davi, que é o presidente da União de Moradores do Cajueiro, e outras pessoas que ficaram muito felizes em saber da anulação desse decreto que já se sabia há muito tempo que era um decreto irregular. Isso vinha sendo denunciado na imprensa e na própria Justiça. A reação foi de alegria, de consciência de que estão travando uma luta justa e que merecem esse resultado. É também nesse momento um alívio, porque pelo menos por enquanto adia a possibilidade de construção do porto e permite a eles planejar melhor a sua vida, seu futuro”, pontuou Antunes.

Cajueiro é uma comunidade centenária, localizada na zona rural de São Luís (MA), que tem sofrido com as tensões geradas pelos interesses de instalação e projetos demandados por governos e empresas.

Nos últimos 10 anos, houve conflitos crescentes devido ao projeto de construção de um porto privado iniciado durante o governo de Roseane Sarney (MDB) e, posteriormente, retomado no governo Flávio Dino (PSB).  Isso resultou em despejos frequentes de famílias.

Cajueiro: Projeto de construção de um porto privado e despejos

Inicialmente, a TUP São Luís – antiga WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais S/A, do grupo WTorre era a empreendedora responsável pelo projeto portuário. Houve mudanças acionárias, com a China Communications Construction Company adquirindo 51% das ações em conjunto com empresas nacionais.

Em 2021-2022, o Grupo Empresarial Cosan comprou 100% das ações, visando construir outro porto de exportação de minério de ferro em São Luís. Em nota à reportagem do ((o))eco, a Assessoria de Imprensa da empresa comentou que o “processo judicial ainda está em curso e que serão adotadas todas medidas judiciais cabíveis. Importante ressaltar que o projeto segue seu curso normal, respeitando seu cronograma original, com avanços em projetos de engenharia e em iniciativas sociais para a comunidade envolvida”.

Segundo Rafael Silva, na área de 200 hectares que é de pretensão do empreendimento viviam entre 30 e 40 famílias, das quais mais de uma dezena delas já foram despejadas. Um dos despejos ocorreu no ano de 2014, como cumprimento de uma reintegração de posse.

“Foi um despejo totalmente ilegal. Uma decisão judicial de um juizado especial cível que não pode julgar causas de complexidade, mas deu uma decisão de interdito proibitório [uma medida legal preventiva usada para proteger a posse de algo que está prestes a ser perturbado ou ameaçado, seja de maneira explícita ou implícita]. E a empresa levou uns nomes e até um oficial de Justiça e eles fizeram uma reintegração de posse e derrubaram mais de 10 casas.”

Casa derrubada pela então WPR, em 2014 (Foto: Jadeylson Ferreira Moreira)

Cinco anos depois, em agosto de 2019, houve o despejo violento de 22 famílias. Além dessas famílias despejadas, outras sete viraram rés em ações de desapropriação ingressadas naquele ano pela empresa portuária, com base no decreto agora anulado pelo TJMA. Nas sete ações de desapropriação, o juiz Marcelo Oka, determinou a perda da posse das famílias.

Horácio Antunes não descarta a possibilidade de novas ações de despejo em Cajueiro, a partir de um decreto de desapropriação assinado pelo governador, mas chama a atenção para as evidências de irregularidades na aquisição do terreno que estão sendo investigadas pela Justiça.

“Essa é uma área da zona rural de São Luís cuja propriedade tem sido contestada, inclusive, com inquérito aberto pelo Ministério Público Estadual e processo na Justiça também aberto pelo Ministério Público Estadual, em função de que há fortes evidências de que é um terreno grilado. Então, assinar um decreto de desapropriação de uma terra que tem todos os indicadores de que o título é resultante de uma grilagem de terra é assumir um risco muito grande por parte do próprio governador”.

Ele explica ainda que não houve progresso nas obras do porto devido a questões legais, as ações de terraplanagem foram suspensas há mais de dois anos, e não há movimentação recente de caminhões na região. A empresa tem focado em manter o escritório e realizar ações para conquistar a confiança da comunidade em relação ao empreendimento. “Atualmente não tem sido feito nada no porto. Aliás, não existe obra do porto, nunca existiu, o que houve ali na área que a empresa pretende para a construção do porto foi somente a derrubada das casas, o desmatamento e algumas terraplanagens que foram feitas em algumas áreas do terreno. Então, a obra efetiva de construção do porto nunca foi iniciado porque nunca houve condições legais para o início dessas obras, porque uma condição fundamental para que se comece a construir a obra é que não tenha mais ninguém morando”.

Área desmatada pela empresa portuária (Foto: Sislene Costa da Silva)

O caso de Cajueiro ganhou grande repercussão na mídia nacional e internacional por várias denúncias de irregularidades. É acompanhado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), as Defensorias Públicas e os Ministérios Públicos Estadual e Federal. A denúncia de grilagem das terras foi feita pelo Ministério Público Estadual, através da Promotoria Especializada em Conflitos Agrários, que coloca em xeque a validade do documento imobiliário apresentado para fins de licenciamento da obra.

Idayane Ferreira

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