Onde moram nossas referências?

“Maria Bonita, sexo violência e mulheres do cangaço”, Adriana Negreiros

É pecado contra a Pátria endeusar Maria Bonita.

Trecho do relatório da Comissão Acadêmica Coronel Lucena, designada pelo inventor de Pernambuco, Agamenon Magalhães, sobre a operação oficial que culminou na morte do Rei e da Rainha do cangaço, em 28 de julho de 1938.

É fácil dizer que somos um compilado de influências e percepções, mas você conseguiria perceber e enumerar quem ou o que te influencia? Quantas vezes acabamos reproduzindo comportamentos que reprovamos, mas que fazem parte de nós? Conseguimos acompanhar as mudanças sociais ou continuamos estáticos? Refletir sobre nossas ações é íntimo, e por vezes, doloroso.

No entanto é preciso encarar o pensar como algo que vá além do que é cotidiano e automático. Sempre fui encantada pela narrativa oral, as contações de histórias sempre estiveram em um lugar privilegiado para mim, no entanto não havia a reflexão prática e crítica sobre tantas histórias de cunho popular ou não. O que era dito, era aceitado, ainda que com estranhamento.

Por muitos anos escutei sobre o cangaço, impossível ser criança nordestina e não ouvir sobre as histórias diversas desse “movimento”. Aliado à figura de Lampião sempre esteve a imagem de Maria Bonita. Em meu imaginário, uma mulher que resolveu viver sua paixão até a última consequência, diversos bordões de empoderamento feminino saíram da marca histórica de mulheres pertencentes a esse espaço hostil, que definitivamente, não era igualitário.

Mas você já pensou sobre as mulheres no Cangaço? Como essa linha de influencia se desatinou no Brasil de maneira romantizada? Adriana Negreiros sentiu a necessidade de mostrar a vida dessas mulheres no cangaço de maneira real, como verdadeiramente acontecia e acredite, cada palavra é um grande soco no estômago.

Maria de Déa, só virou Maria Bonita depois de sua morte pois, sua vida e das outras quarenta mulheres que também integraram o bando, não interessavam ao grande público. A intenção da autora é jogar luz à história dessas mulheres e descaracterizar a ideia de que no grupo de Virgulino a lida era igual entre homens e mulheres, tirar da escuridão as atrocidades que aconteciam no imenso sertão.

Adriana coloca em evidência os estupros coletivos, violência, morte, cerceamento de liberdade já que a maioria das mulheres que integravam o bando eram obrigadas sob ameaça de morte, bem como elas também instigavam a violência uma contra as outras. Se tinha algo que dava um prazer intenso a Lampião, além de apunhalar seus rivais ou os “macacos”, como os cangaceiros chamavam os policiais no sertão nordestino dos anos 30, era “cobrir uma fêmea”, o que, no linguajar deles, significava estuprar uma mulher enquanto ela chorava.

Isso quando não era o caso de aplicarem uma “gera”, nome conhecido na região por estupro coletivo. Lampião, o chefe, era o primeiro da fila. Para ele e seu bando, o estupro ocorria porque “as mulheres queriam”. E após a morte de seus maridos, as cangaceiras ficavam à disposição de qualquer um que as quisessem.

Zé Baiano, cangaceiro do bando, gostava de marcar mulheres com ferros para boi com as iniciais do seu nome na face, genitália, nádega ou panturrilha. Se a mulher estivesse de cabelo ou vestido curto, era castigada pelo cabra. Criar os próprios filhos também era outro direito negado a elas. Dadá, estuprada quando tinha 12 anos por Corisco, nome proeminente do cangaço, classificava essa dor como “a maior do mundo”.

Para além da indicação da leitura que é detalhista e surpreendente, te convido a refletir sobre as histórias que te criaram e sobre as que te contaram, para que você possa sempre conhecer todos os lados de uma mesma imagem e que assim possa perceber sua própria construção, pautando suas influências com intimidade, discernimento e sobretudo conhecimento. Saber as histórias que compõem sua ancestralidade.

Maria Maryana
Maria Maryana

“Eu não nasci rodeada de livros e, sim, rodeada de palavras.” Graduada em Letras pela UEMASUL a literatura me encontrou pela narrativa dos meus avós no terreiro de casa e nunca saiu da terra fértil da minha imaginação. Maranhense encantada por minhas raízes encontro no “guarnicê” a beleza de continuar aprendendo.

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