Brígida Rocha: Defensora de Direitos Humanos no combate ao Trabalho Escravo
Brígida Rocha. Ilustração: Idayane Ferreira

Quando você assiste a um filme já parou para pensar quantas/os daquela/e personagem existem fora da ficção? Um longa metragem baseado em fatos reais é mais “fácil” imaginar isso. Vou lhe dar um exemplo. O filme ‘Pureza’, baseado em fatos reais, traz à história de uma mãe (Pureza) que sai em busca de seu filho (Abel), desaparecido após partir para o garimpo na Amazônia. Em sua busca, acaba encontrando um sistema de aliciamento e escravidão de trabalhadores rurais. Pureza, se emprega numa fazenda e testemunha o tratamento brutal de trabalhadores/as e o desmatamento da floresta. Ela escapa e denuncia os fatos às autoridades federais. Essas autoridades não dão a mínima para Pureza, pois as denúncias são contra um sistema forte e perverso. Ao invés de se decepcionar, e largar a jornada de encontrar Abel, ela retorna à fazenda onde os/as trabalhadores/as se encontram e começa a registrar provas.

Apesar de eu ainda não ter assistido ao filme, me recordei dele quando conversei com a personagem deste mês da editoria “Dias Mulheres Virão”: Brígida Rocha! Ganhadora do prêmio de Direitos Humanos, em 2015, na categoria ‘Combate ao Trabalho Escravo’, ela recebeu a premiação das mãos da então presidenta da República Dilma Roussef. Um dentre diversos outros reconhecimentos que conquistou ao longo de sua trajetória.

Conversamos on-line, com o mesmo carinho e atenção de quando erámos colegas de trabalho no ‘Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos-Carmen Bascarán’, localizado em Açailândia-MA. De cara, lhe perguntei: Por onde andas? Com o que trabalha atualmente? A resposta veio em seguida:

“Estou atualmente como agente Pastoral na Comissão Pastoral da Terra (CPT), na Regional Maranhão, e estou na coordenação de um projeto que faz parte de um programa em três estados. No Maranhão nós temos essa experiência e o projeto se chama ‘Raice’, é o mesmo nome que a gente dá ao programa: ‘Rede de Ação Integrada para Combater à Escravidão’. Essa é uma estratégia da Comissão Pastoral da Terra pra fazer os trabalhos de prevenção e articulação do poder público e a sociedade civil nos estados do Pará, Tocantins e Maranhão, com o objetivo de enfrentar e de combater o trabalho escravo. Na CPT, todos nós somos identificados enquanto agente pastorais”.

Brígida é uma mulher negra, de 37 anos, mãe de dois adolescentes (uma menina de 14 e um menino de 12) – com o apoio da família, em especial de sua mãe, divide a criação dos filhos. Ela explica que por profissão é assistente social, “mas a minha vida toda foi atuando junto aos movimentos sociais. E nessa pauta específica do trabalho escravo foi quando eu fui me construindo, principalmente, no que nós chamamos de militância”.

Participando desse processo no atendimento às vítimas de trabalho escravo, nas articulações e com denúncias, ela tem convivido com vários grupos: quilombolas, indígenas, camponeses e pessoas que foram expulsas dos seu territórios e que estão passando por diversas situações de conflitos e ameaças.  E também tem se articulado com o poder publico, a sociedade civil e com diversos profissionais. Filha de trabalhadores rurais, ela tem família em Açailândia e atuou por 12 anos no Centro de Defesa da cidade. Pelas minhas contas, a atual agente da CPT trabalha com a temática no combate ao trabalho escravo há 17 anos.

Tudo começou ainda na adolescência, quando Brígida conheceu a comunicação comunitária na rádio Arca FM (localizada no bairro Vila Ildemar, em Açailândia). “Eu já começava a falar sobre esse tema, mesmo apresentando um programa infantil, a gente via materiais informativos de uma campanha preventiva de trabalho escravo e depois no Centro de Defesa de Direitos Humanos, passei a atender pessoas”. Essa temática também foi central no seu percurso acadêmico: estudou, pesquisou e fez seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre o assunto e isso lhe fortaleceu enquanto agente de combate ao trabalho escravo. Por conta disso, ela é sempre convidada para participar de espaços que discutem o tema.

Destaca que o ponto de fortalecimento para permanecer na defesa de trabalhadores/as escravizados/as é pensar na perspectiva de esperança. Por entender que a pauta do trabalho escravo ainda é recorrente nos dias atuais, porém com outras configurações, Brígida afirma que com o pouco que se contribui e o número de pessoas que os/as agentes conseguem atender, já ajuda bastante diante das dores e das relações que essas pessoas vivem.

Ela busca se fortalecer enquanto mulher defensora de direitos humanos, a partir da colaboração que recebe da mãe na criação dos filhos, nos encontros com as mulheres quilombolas e trabalhadoras rurais que encontra nas comunidades pelo Maranhão. E gera uma via de mão dupla: conversa com  mulheres dos territórios sobre as diversas violências as quais estão sujeitas, e também aprende as vivências dos seus ancestrais e suas culturas.

Resistir e lutar são processos contínuos e lentos, e Brígida relata que mesmo o processo sendo lento, ela sente alegria e ver felicidade naqueles que conseguem se libertar das garras do trabalho escravo. “É um desafio e é nessa perspectiva mesmo de assumir esse desafio e de fazer algo que possa ser significativo para quem, às vezes, não tá com tanta felicidade ou com a esperança motivada, então acredito que a minha motivação é a esperança que eu levo pra essas pessoas que estão buscando caminhos, porque, às vezes, eles não sabem pra onde seguir”, ela afirma. Em seu trabalho enquanto agente da CPT, é responsável por acompanhar e dialogar com as comunidades e não apenas ver as pessoas como vítimas, submetidas ao trabalho escravo, mas sim construir alternativas de valorização e protagonismo enquanto pessoa.

Quando questiono se ela já teve algum reconhecimento em forma de premiação, ela responde que o principal prêmio é saber que tudo em sua vida – até o momento – está interligado. Em termos materiais e reconhecimento de instituições nacional, ela já teve projetos aprovados que garantissem o sustento financeiro para todos que integram o conjunto de agentes. Sobre receber uma premiação nacional em 2015, ela explica que “as pessoas que recebem esse prêmio ficam felizes porque é um reconhecimento do estado a nível nacional, mas como foi dito no discurso naquele período que recebi o prêmio, era um prêmio de trabalhadores e trabalhadoras pelo fato da confiança deles, em falar das suas dores e acreditar que a gente poderia contribuir e não precisava de reconhecimento do estado, apenas dos/das trabalhadores/as que são os protagonistas no combate ao trabalho escravo”.  Recentemente Brígida recebeu outro reconhecimento material, o prêmio ‘Firmina’, dedicado à mulheres que fazem a erradicação do trabalho escravo no estado.

São prêmios simbólicos pela luta e pela trajetória política. “Pra mim o maior prêmio é ser respeitada, ser reconhecida pelos trabalhadores e trabalhadoras nesse processo deles confiarem suas histórias e da gente criar relações.” E relações construídas, faz Brígida lembrar de nome, sobrenome e comunidade em que esses trabalhadores/as vivem. “Lembro do que eles relataram e dos processos que passamos para que o caso deles fosse resolvidos. Ganhei dois afilhados e tudo isso representa a recompensa que é. E uma das mais recentes foi poder contribuir no parto de uma criança. Pela ausência de políticas públicas, a estrada difícil, sem energia e acabou que eu tive que ajudar no parto da Vitória e hoje em dia ela tem 3 anos. Esse é um presente que Deus me deu de poder ajudar num parto de uma criança”.

Que sonhos Brígida espera então diante de tantas surpresas que o caminhar lhe revelou? Ela diz sonhar em fazer uma viagem à África, dar uma casa mais confortável para sua família e continuar a educar os filhos, para os quais ela repassa os aprendizados adquiridos até agora, para que entendam e respeitem as diversidades, e sempre que possível, os leva nas ações de agentes da Pastoral Social.

Daí, eu volto para o filme ‘Pureza’, que iniciou este perfil: A Brígida aparece como figurante. “Mas, Daniela, é muito rápido não pode piscar se não perde. A produção convidou as pessoas que estão à frente da erradicação do trabalho escravo e eu fui uma das convidadas.”

Mas, na vida, como você puderam ler, a Brígida é uma protagonista!

Daniela Souza
Daniela Souza

Jornalista especializada em Assessoria de Comunicação Organizacional e Institucional. Já vivenciou experiências profissionais nas áreas de publicidade e propaganda, produção de documentários, radiojornalismo, assessoria política, repórter do site jornal Correio de Imperatriz e social mídia. Boa parte de suas experiências profissionais foram em assessorias de comunicação institucional de ONGs, com ativismo social voltado para a defesa de direitos humanos, justiça socioambiental e expansão da agroecologia na região do bico do Papagaio; esses trabalhos ocorreram nas cidades de Açailândia, Imperatriz (MA) e Augustinópolis (TO).

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