Vânia Barbosa: Empreendedora do Clotilde 71 Brechó
Vânia Barbosa. Ilustração: Idayane Ferreira

Como grande entusiasta de brechós e bazares, estou sempre de olho em lugares que vendem acessórios e roupas usadas. Durante uma das minhas andanças pela cidade de Imperatriz (MA), uma loja chamou minha atenção pelas roupas nos manequins e araras, a fachada cor de rosa e o nome Clotilde 71 Brechó seguido da silhueta de um gato preto. Percebi que havia um cuidado meticuloso em todos os detalhes, inclusive na decoração do ambiente.

Um dia, entrei na loja acompanhando uma amiga que estava em busca de um blazer. Conversei com a atendente, que foi atenciosa e simpática. Fiquei intrigada em conhecer a dona do estabelecimento e escrever sobre empreendedorismo feminino. Em outro dia, uma feliz coincidência me possibilitou conhecê-la: precisei esperar o horário de um compromisso e decidi entrar na Clotilde 71 para olhar algumas roupas e passar o tempo. Lá estava ela, organizando algumas roupas no balcão.

Vânia Barbosa dos Santos é uma mulher de 27 anos que personifica a determinação e o espírito sonhador. Ela começou sua jornada como empreendedora, mesmo antes de entender completamente o que isso significava. No entanto, já nutria o desejo de ter seu próprio negócio há muito tempo. O resultado foi a criação da Clotilde 71 Brechó, uma loja que vende roupas vintage. 

Imperatrizense, sua história é um relato inspirador de superação e conquista. Vânia cresceu em uma família humilde, onde os avós eram feirantes, ensinando-lhe desde cedo o valor do dinheiro e a importância de conquistar o que desejava. Vender frutas na feira ao lado dos avós e aprender a dar valor às coisas foi o início dessa jornada.

“Eles [avôs] sempre mostraram pra gente que trabalhar não era uma vergonha. Não era vergonha eu trabalhar. E aí a gente trabalhava na feira com eles, vendia laranja, banana e, com nove anos, na feira, a gente ia na bicicletinha cargueira deles. Iam todos os netos e, aí, quando a gente ia passar o final de semana com eles era assim.”

A chama empreendedora foi acesa por sua avó, que também era costureira. Diante da doença do marido, que era o provedor da casa, e da pouca renda com a costura, ela resolveu investir na venda de roupas usadas, mesmo quando muitos duvidavam da viabilidade. Desafiando as expectativas da época, sua avó abriu caminho para o empreendedorismo feminino na família.

“Ela morava ali no riacho Bacuri, bem na beirinha do riacho Bacuri mesmo, numa casa de taipa. E aí ela vendia na sala de casa, fazia bazar em igreja, já que ela é evangélica. Todos os bazares de igreja que tinham, ela colocava lá as peças para vender. A minha mãe foi aprendendo isso com ela, a trabalhar dessa forma, e ela passou isso para mim. Desde pequena, via a minha avó e meu avô trabalhando dessa forma. A minha avó decidiu continuar, só que de uma forma que pudesse incluir mais pessoas. Meu avô ficou bem de saúde, e aí ele decidiu abrir um local maior, mas mantendo a cultura do bazar. Ia para lá, sendo criada aqui assim.”

Vânia cresceu observando seus avós e sua mãe, que também seguiu esse caminho, trabalhando incansavelmente para sustentar a família. Esse ambiente moldou seu desejo de fazer a diferença e ajudar sua família a sair da difícil situação financeira em que viviam.  “A minha infância foi sempre vendo essas pessoas que são figuras importantes na minha vida, que são os meus avós, os meus pais, minha mãe principalmente, trabalhando dessa forma, né? E aí, fui crescendo, a vontade de sempre querer ter algo para poder ajudar a família.”

Determinada a alcançar seus objetivos, ela se dedicou aos estudos, concluindo o ensino médio e ingressando na faculdade de Administração. Foi a primeira da sua família a frequentar um curso superior e durante esse período ela conciliava seu papel como administradora regional em um sindicato de donos de postos de gasolina, onde iniciou trabalhando como secretária. Por lá ficou por três anos. 

Em 2018, Vânia decidiu dar um grande passo e deixar o sindicato para seguir seu próprio caminho.  Morando com seu namorado há apenas quatro meses, em uma pequena quitinete, ela resolveu que era hora de iniciar seu próprio empreendimento. Começou devagar, vendendo suas próprias roupas usadas em um desapego. Enfrentou desafios financeiros, mas estava determinada a fazer dar certo. Apesar das incertezas iniciais, ela perseverou, utilizando o WhatsApp e, mais tarde, o Instagram como plataformas para suas vendas.  

Depois do desapego, começou a garimpar novas peças e avisava suas amigas, que vinham até sua casa comprar as roupas. Ela percebeu que as peças estavam saindo, mas não estava alcançando um público mais amplo, eram sempre as mesmas pessoas conhecidas. Ela começou a se questionar: “Por que não estão divulgando? Por que não há mais pessoas conhecendo?” Ela sentiu que precisava entender melhor o que estava acontecendo.

Foi então que começou a estudar mais, percebendo que, muitas vezes, no início de um projeto, as coisas não vão mal; simplesmente, ainda não se conhece a receita do sucesso. Seu namorado dizia que isso não daria certo e que ela deveria procurar um emprego. O que Vânia mais ouvia era: “Isso não paga as contas”. Sabia que precisava melhorar sua estratégia e começou a estudar o preconceito associado a roupas usadas, tentando conscientizar suas clientes de que comprar roupas usadas não significava apenas adquirir peças antigas, mas sim peças com potencial. Ela começou a compartilhar esse conteúdo no Instagram e a enfatizar que, ao comprar uma peça usada, as pessoas estavam contribuindo para a reutilização e que algumas peças eram vintage, ou seja, tinham qualidade e durabilidade. Ela captou depoimentos e feedbacks positivos de suas clientes, expondo esses elogios. Isso atraiu a atenção de outras pessoas interessadas em comprar com ela.

Dispondo de apenas um celular simples, postava as fotos da melhor maneira possível e editava as imagens com recursos limitados. Ela estudava e buscava melhorar constantemente. Continuou trabalhando incansavelmente, mesmo quando não tinha vendas em casa. Alguns dias eram difíceis, mas a Vânia aprendeu que cada dia era um desafio a ser superado. Além de vender em casa, ela começou a participar de feiras, começando na praça de Fátima. Na falta de araras, expunha suas peças em lonas no chão. Algumas pessoas passavam julgando, mas ela não deixava isso abalá-la. Ela continuava estudando e se esforçando para fazer o negócio crescer.

“Eu colocava as peças dobradinhas na lona. E aí, quem passasse olhava. Tinha muita gente que passava, julgava com o olhar, falava: ‘Nossa, uma menina tão nova tá desse jeito, vendendo roupa usada no chão.’ E aí, eu não levava isso em questão, mas isso magoava. Para você que tá começando ouvir isso, né? E aí eu ficava muito pensativa. Mas se eu não acreditar, como é que vai dar certo? Aí eu continuava estudando, não deixava aquilo, aquela situação abalar, mas abalava às vezes, uma vez ou outra.”

Antes de Clotilde 71 Brechó se tornar uma realidade, Vânia enfrentou também dificuldades pessoais, incluindo a separação de seus pais e a necessidade de cuidar de seu irmão e pai em depressão. As muitas demandas a fizeram trancar o curso de Administração, enquanto ainda trabalhava no sindicato. Quando a situação em casa melhorou, ela decidiu focar no projeto que tinha em mente: abrir seu próprio negócio. 

A escolha do nome do brechó teve raízes na Dona Clotilde, a bruxa do 71, como era apelidada do seriado Chaves a personagem da atriz Angelines Fernández. Mas existem muitas referências e contextos na escolha do nome e do gato preto como logo. O gato preto foi adicionado ao logotipo para desafiar os estigmas em torno desses animais como símbolos de azar. A marca, com a imagem da silhueta de um gato preto sentado, tornou-se icônica.

“Quando eu decidi colocar o nome, o brechó era algo ainda cheio de preconceito. Além disso, todas as vezes que eu ia pesquisar um nome para o brechó, eu via ‘desapego de fulano de tal’, ‘desapego tal’. E eu não queria colocar ‘desapego’. É brechó! Outra coisa é que as referências que apareciam eram nomes em inglês e eu queria algo em português. Quero colocar o nome de uma mulher que seja de época e que seja uma referência também. Muita gente não sabe, mas a atriz que fazia a dona Clotilde foi miss. Ela foi uma mulher muito, muito forte que sofreu muito preconceito. Na época, para ela ser atriz naquela idade, ela continuou sofrendo muito preconceito. E aí todas as vezes quando eu pensava em alguém, pensava em algum nome, eu pensava assim, ‘gente, mas seria tão interessante algum personagem que todo mundo conhece, né? Mas que tenha vários significados’. Aí eu coloquei logo Clotilde 71, nome e sobrenome (risos). O gato preto, ele é símbolo de muito preconceito. E ainda tem a questão dos maus-tratos que o gato preto sofre. Se você for pesquisar um pouquinho, tem muitas pessoas que matam, que machucam gato preto e tem assim uma cultura de você não vê muito gato preto em casa. Esse símbolo da gatinha é a nossa gatinha, a Clotilde, ela sentada. A gente realmente tem uma gatinha preta que é nesse formato.”

À medida que continuava, houve dias de sucesso e uma crescente procura. Ela compreendeu que cada dia era um processo e desafio a ser superado, reconhecendo que não havia dias fáceis. No começo, Vânia gerenciava o garimpo, a higienização e o marketing, enquanto seu namorado cuidava das entregas. Quando ele foi demitido de seu emprego, juntou-se a ela no negócio, dividindo as responsabilidades. 

Hoje eles são casados, o marido se concentra na curadoria e higienização das peças, enquanto a Vânia cuida mais das atualizações, reposições, fotos e estratégias de marketing. Ela explicou que faz garimpo de roupas, seleciona as peças que passam na curadoria e trabalha com seu marido para garimpar e escolher as peças diretamente. Além disso, eles customizam algumas peças que têm pequenos defeitos para evitar o desperdício. 

A loja física existe há cerca de dois anos, começando em outro local antes de se estabelecerem onde estão atualmente. A pandemia representou um desafio, mas eles mantiveram o negócio vivo com vendas online. Com o fim da pandemia, a loja física ficou cada vez mais movimentada, às vezes com clientes provando roupas no meio da loja devido à alta demanda. O brechó trabalha com peças vintage e atemporais, com preços variando de R$15 a R$190.  Segundo a Vânia, as sobreposições, como blazers e jaquetas, são as peças mais populares entre os clientes. 

Ela não imaginava o sucesso que seu negócio alcançaria, mas sempre persistiu, enfrentando comentários negativos e preconceito. Acredita que sua jornada envolve perseverança e persistência para chegar onde está agora. Atualmente, Vânia e o marido trabalham em conjunto para fazer Clotilde 71 Brechó prosperar. É como diz a música “Prelúdio”, do Raul Seixas: “Sonho que se sonha só, é só um sonho que se sonha só. Mas o sonho que se sonha junto é realidade.”

Idayane Ferreira
Idayane Ferreira

últimas publicações

Todos os conteúdos de autoria editorial do Portal Assobiar podem ser reproduzidos, desde que não sejam alterados e que deem os devidos créditos.

REDES SOCIAIS

INSCREVA-SE NA NOSSA NEWSLETTER