Sobre livros e mudanças

Na primeira coluna que escrevi em anos, publicada em julho aqui no Assobiar, refleti que escrever sobre literatura de um ponto de vista muito pessoal me ajudou a lidar com minha insegurança com o ato da escrita. Apontei também que, de 2019 para cá, havia mudado muito como leitora. Mas, a verdade é que não foram apenas mudanças internas, sentimentais, físicas ou externas; durante este período, mudei de casa algumas vezes.

Em 2019, cheguei aos 30 anos e morava com uma amiga e companheira de trabalho numa casinha com quintal imenso e arborizado. Sem TV, por escolha própria, me debruçava sobre minha estante de livros. Uma estante de compensado, da minha altura (quase 1,70), que ajudei meu pai a fazer. Pintei de azul petróleo, desenhei estrelas amarelas do lado de fora e escrevi uma das minhas frases favoritas do poeta Mário Quintana:

“Se as coisas são inatingíveis… ora!

Não é motivo para não querê-las…

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!”

(Das utopias)

Antes de meu pai fazer essa estante de cinco divisórias, cuja profundidade cabe tranquilamente duas fileiras de livros em cada nicho, meus livros ficaram por um bom tempo guardados em caixas, alguns dispostos mesmo pelo chão, empilhados.

Mais ou menos um ano antes, em 2018, morei numa casa imensa e escura que também dividia com minha amiga Maju. Durante os quase quatro anos em que moramos juntas em diferentes casas, nunca tivemos TV; eram apenas nós duas, muitos livros, conversas boas e risadas.

No primeiro ano da pandemia, em 2020, passei um tempo morando com meu então namorado/noivo, trabalhando em home office. Estávamos em outro estado e eu não havia levado nada de livros. Pensei: “Uma pandemia talvez seja um bom momento para parar de comprar livros! Certo, Idayane?” Errado, erradíssimo! Mesmo não conseguindo ler praticamente nada, aproveitei a promoção da feira online da USP e comprei uma leva significativa com 50% de desconto. Meses depois, retomei algumas atividades presenciais no trabalho, e lá fui eu, com pelo menos mais uma caixa de livros, de volta ao Maranhão.

Entre 2021 e 2023, mudei-me mais três vezes, entre cidades, estados e apartamentos. De modo geral, não sou afeita a mudanças, não só porque é chato empacotar tudo, depois organizar no novo espaço, mas também porque demoro para me acostumar em novos lugares, com novas rotinas e pessoas. Além disso, tenho livros demais, mais do que a maioria dos meus amigos têm. Mas isso só fica evidente para mim quando preciso mudar; aí me dou conta do trabalho que é encontrar caixas para mais de 300 livros. Por outro lado, acho engraçado perceber que simplesmente não lembrava mais da existência de alguns livros no meu acervo.

Não tenho método para empacotá-los, e outras pessoas que já guardaram meus livros têm menos método ainda. Quanta angústia sinto ao perceber que os livros ficaram amassados ou um pouco danificados por conta da forma que foram empilhados nas caixas. E como as caixas de livros são pesadas, misericórdia! 

Já não cabem todos na estante com cinco divisórias, feita pelo meu pai, cuja profundidade dos nichos acomoda tranquilamente duas fileiras de livros. Então, ressoa na minha cabeça a mesma frase, de novo: “Acho que já está na hora de você parar de comprar livros! Certo, Idayane?” Errado, erradíssimo; acabei de colocar no carrinho de compras mais um livro da Clarice Lispector.

Idayane Ferreira
Idayane Ferreira

“Jornalista com “abundância de ser feliz”, mais “da invencionática” do que “da informática”, acredita piamente que Manoel de Barros escreveu “O apanhador de desperdícios” baseando nela.“

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