Para gostar de poesia/poemas

Gosto muito de uma frase, atribuída ao poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, que diz: “Se eu gosto de poesia? Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor. Acho que a poesia está contida nisso tudo”. Embora não tenha conseguido encontrar fontes que confirmassem se é ou não de autoria de Drummond, gostaria de ficar com a essência do dito: a poesia está contida em coisas mínimas do dia a dia.

Imagino que a maioria de nós teve seu primeiro contato com a poesia (e o poema) nos livros didáticos, interpretando os sentimentos do tal eu lírico ou tentando decorar as características dos estilos e escolas literárias. Pode ser também que essa primeira aproximação tenha sido meio traumática e, atualmente, você deteste poesias e poemas.

Nesta quarta coluna de 2024, faço um convite a você: aprecie os versos e se deixe enriquecer de maneira singular pelo encanto das poesias e dos poemas! Aproveito para explicar as diferenças entre um e outro. O poema é um texto literário composto por versos e estrofes rimados ou não; em resumo, poema é poesia em palavras! Já a poesia é um termo mais abrangente que envolve a produção artística que utiliza diferentes recursos para expressar significados e emoções. Vamos às dicas!

1. Vá com calma e permita-se sentir cada palavra e as suas nuances. Atente-se aos detalhes. Sempre me surpreendo ao ler e reler Manoel de Barros, com seus muitos neologismos, seus versos simples e linguagem coloquial cujo temas se centram na natureza e na vida cotidiana.

2. Seja curioso e pesquise estilos e autores diferentes até encontrar um que ressoe em você. Gosto particularmente dos modernos, como o próprio Carlos Drummond de Andrade, mas Florbela Espanca com seus versos de teor mais emocional e românticos, tem um espaço garantido no meu coração.

3. Compartilhe poemas com amigos e torne a experiência mais enriquecedora. Houve um tempo que meus amigos Jordania e Mikaell organizavam em sua casa rodas de declamações de poemas e poesias. Eram sempre noites recheadas de bons petiscos (e vinho), palavras encantadoras e boas risadas.

4. Ao ler um poema, não tenha pressa. Leia pausadamente e, se achar necessário, mais de uma vez. Reler pode trazer camadas que não tínhamos percebido da primeira vez.

5. Poemas e poesias são mais sobre sentir do que sobre entender, ou melhor, são sobre entender com os sentidos. Ainda assim, conhecer o contexto histórico e cultural em que foram escritos podem adicionar mais significado e facilitar a conexão emocional.

6. Ouça declamações recitadas por poetas ou artistas. Recentemente, me deparei com a interpretação do ator Matheus Nachtergaele de um poema da sua mãe, Maria Cecília Nachtergaele, que faleceu quando ele tinha apenas três meses. É emocionante!

7. Aceite o desafio de decifrar a linguagem simbólica presente nos poemas como metáforas e analogias. Aprendi muito lendo Augusto dos Anjos, considerado um poeta sombrio cujo versos pessimistas tratam sobre morte, angústia e podridão. Ele mescla filosofia e vocabulário científico em poemas viscerais e violentos, por vezes difíceis de ler, mas incrivelmente geniais.

8. Por fim, leia poemas e poesias escritos por mulheres. Autores masculinos ainda são majoritários nas diversas áreas da literatura, mas aos poucos as mulheres vêm conquistando espaço. A busca por autoras pode aumentar o interesse do mercado editorial por publicá-las.  Algumas poetas para você conhecer: Cecília Meireles, Matilde Campilho, Conceição Evaristo, Rupi Kaur, Adélia Prado, Hilda Hilst, Wislawa Szymborska, Jarid Arraes, Mel Duarte, Ryane Leão, Maya Angelou, Miriam Alves, Cora Coralina e Ágnes Souza.

Para encerrar esta coluna, trago um trecho do romance “A paixão segundo G.H” (1964), de Clarice Lispector, que por vezes leio como se poesia fosse (e é poesia, afinal):

“Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir – nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.”

Acredito que gostar de poesia/poema, mais do que uma preferência literária, é um exercício de refinar a nossa sensibilidade para a beleza ao redor, ampliando nossa consciência do vasto espectro de experiências humanas. Gostar de poesia/poema é sobre sentir.

Idayane Ferreira
Idayane Ferreira

“Jornalista com “abundância de ser feliz”, mais “da invencionática” do que “da informática”, acredita piamente que Manoel de Barros escreveu “O apanhador de desperdícios” baseando nela.“

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