O cansaço nosso de todo dia

Quem não acorda cansado que atire a primeira pedra. Parece que passa um rolo compressor por você, com essa sensação se intensificando ao longo dos dias, e não há mais como negar ou ignorar a existência do sofrimento psíquico que esse cansaço provoca em nossas vidas.

Normalmente vamos criando lógicas adaptativas para evitar a exaustão e inventando mecanismos para responder às exigências apresentadas pela vida. Mas, e aí? Será que entrar no mundo adulto é saber lidar com o esgotamento físico e mental? Será que o ideal não seria nos perguntarmos o porquê de estarmos vivendo numa corrida de obstáculos.

Segundo o filósofo coreano Byung-Chul Han, estamos vivendo sob efeito da sociedade do desempenho, que é um sintoma da sociedade do cansaço. Byung-Chul se refere ao cansaço como uma enfermidade que está acometendo a sociedade como resposta do corpo para o excesso de positividade e cobrança que a sociedade impõe para produzir pessoas mecanizadas e centradas no que é essencial para um sistema capitalista e individualista: a busca pelo lucro. 

Viver em um mundo sob o condão do individualismo, traz como resposta pequenos feudos autossustentáveis e autossuficientes em que privilegia as qualidades do indivíduo como a inteligência, o talento e a capacidade de trabalho. Viver passa a ser cada um por si e por seu esforço e mérito. Todos os dias somos invadidos com ideias do mito do empreendimento, do coaching e do pensamento positivo, em que  você pode conseguir o que você quiser, você deve empreender, você deve sair da sua zona de conforto e romper seus limites. Parece tão simples esta lógica do “foco, força e fé” que muitas vezes consideramos que estamos fazendo menos do que poderíamos para atingir o sucesso do “trabalhe quatro horas por semana” e viva feliz o resto dos seus dias. 

Byung-Chul Han nos conta que a violência não provém apenas da negatividade, mas também da positividade. São estados patológicos devidos a um exagero de positividade, que resulta da superprodução, do superdesempenho ou da supercomunicação e rejeita o esgotamento, a exaustão e o sufocamento frente à demasia das reações imunológicas do corpo orgânico. A cobrança pelo desempenho atinge as inseguranças dos indivíduos ao tentar trazer propósitos exagerados para o sucesso no trabalho, pois esta dívida é impagável.

Fiquei horrorizada quando eu me deparei pela primeira vez com o aforismo que corre nas redes sociais “Estude, enquanto eles dormem. Trabalhe, enquanto eles se divertem. Lute, enquanto eles descansam. Depois viva, o que eles sempre sonharam”. Eu que nunca fui uma pessoa que dorme muito, pensei no tempo que perdi rolando na cama ou lendo algum livro ao invés de estar estudando, vendo algum vídeo edificante ou mesmo trabalhando. Senti que perdi alguma coisa que não soube nomear e me senti alguns passos atrás do meu próprio desempenho, pois não estava aproveitando um dom, que era a minha capacidade de dormir pouco. 

Confesso que aproveitei muito tempo deste tempo para estudar, mas vivia lutando contra o (meu) tempo e fazendo listas infindáveis de coisas para fazer a ponto de viver em frustação por não bater minhas próprias metas. Eu não estava conseguindo porque é humanamente impossível fazer tudo o que se quer; é preciso ter a falta para fazer nascer o desejo. Será que eu deixava espaço para a falta? Isso me fez pensar no prazer que é não fazer nada, não aproveitar os “tempos mortos” da agenda com mais uma tarefa. E haja análise para suportar a frustração, pois o mundo pós-modernos nos impõe o contínuo produzir e a angústia de se dividir entre o que se deseja e o que se espera de nós parte da engrenagem.

Resta a nós pensar se vale a pena viver segundo o que é esperado de nós ou se cabe o nosso desejo nas escolhas que fazemos, pois quando o sujeito passa a ser empresário de si, absorvido pela lógica do sucesso e da produção, a sociedade do desempenho ao invés de produzir sujeitos felizes, bem-sucedidos e dispostos para a vida, produz fracassados. E cansados.

Lília Sampaio
Lília Sampaio

Sou Lília Sampaio, psicóloga em Salvador, Bahia e uma psicanalista que gosta de histórias. Em minhas horas vagas, gosto de meus discos, livros, filmes, bichos, plantas, saidinhas com amigos e ficar em casa com minha família. Se você desejar fazer análise, faço atendimento presencial e online.

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