Estamos ruindo. Ouse ter a si mesmo

Dia desses, vi nas redes sociais uma postagem com versões infantis, criadas por inteligência artificial, de grandes líderes da política mundial atual, inclusive os que comandam a guerra Rússia x Ucrânia. Confesso que fiquei extremamente perturbada com as imagens. Foi desconfortável imaginar que esses homens, que hoje determinam ataques e mortes, já foram crianças fofinhas. Já foram a sementinha da vida.

Peguei-me pensando no milagre que é gerar outro ser dentro de si, em como só a vida pode gerar outra vida. Daí ao Big Bang foi coisa de segundos. É difícil crer numa explosão aleatória diante de tanta perfeição da vida. É só observar o desenvolvimento das plantas, dos animais, do próprio humano, de como grupos de órgãos se organizam em um modelo básico de corpo, ao mesmo tempo tão frágil e tão forte.

Respirar, digerir alimentos, permanecer de pé, dar cabo de invasores (como vírus e bactérias), reproduzir, dispensar o que não serve, sentir, emocionar, existir. Toda uma engrenagem complexa que funciona ao mesmo tempo, mas pode parar em segundos se um líquido deixar de circular, se uma bomba interromper seu fluxo.

Não consigo admitir que toda a complexidade do milagre da vida se justifique em acumular coisas. Seja quem for a Força Criadora, mesmo que seja a explosão, é muito pobre crer que vivemos para trabalhar e viver as angústias de nos ajustarmos ao modelo de vida social que criamos.

Não sei desde quando – ou se sempre foi assim –, mas a vida parece não comportar mais tantas angústias geradas pela corrida do capital. Estamos ruindo.

De tantas formas de experimentar o existir, escolhemos coletivamente a ânsia de possuir. E não só possuir, mas possuir mais do que o outro. Uma grande corrida para chegar a lugar nenhum. Uma projeção de felicidade que muda a cada vez que parecemos nos aproximar do alvo. Uma armadilha para nos manter aprisionados.

Que sejamos ousados. Ousados em silenciar diante do milagre da vida para perceber que a grande conquista é ter a si mesmo.

Mari Leal
Mari Leal

Mulher preta, baiana do interior, mas acolhida pela capital (Salvador). Jornalista de formação, fui pescada para a cobertura política muito cedo, e aí estou há uma década. Na vida, um ser que deseja experimentar a multiplicidade do Universo e dos universos (humanos). Um coração pisciano que deseja desbravar o desconhecido. Amo os clichês e a forma como se mostram imperativos na vida cotidiana. Simples e grandiosos, acredito que carregam os segredos de um viver “ser”. Como Belchior, “não quero o que a cabeça pensa, quero o que a alma deseja”. E talvez seja este o meu principal desafio. Neste espaço, te convido para refletirmos sobre o cotidiano e como a vida prática nos atravessa.

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