Culta?  

Salvador está explodindo de eventos culturais: feira de livros, inauguração de peça, ciclo de conferências para discutir importantes temas da atualidade, lançamento de livro, debates e mostra em museu sobre a cultura negra, shows, apresentações de artistas brasileiros e locais e uma infinidade de pequenos eventos que acontecem ao longo das semanas. Em resumo: a cidade está fervilhando!

Eu estou a 230km de distância de Salvador, em uma cidade com menos de oito mil habitantes e fiquei pensando num assunto batido que permeou as minhas aulas de antropologia na universidade: o que é cultura.

Será que frequentar uma infinidade de eventos culturais me faz mais culta do que minha prima que nasceu e mora aqui no interior? Será que ter uma estante abarrotada de livros me faz mais conhecedora de mundos do que um vizinho aqui do lado?

Dia desses fui na casa de uma tia aqui no interior e o marido de minha prima me mostrou a estante dele: muito mais livros que a minha. Provavelmente não frequenta clube de livros e não sei se tem a oportunidade de falar sobre eles com alguém. Isso o faz menos culto que eu que frequento dois clubes de livros?

Eu estou com pelo menos dez livros inacabados em minha mesinha de cabeceira e não saberia precisar quantos livros não lidos na estante e no Kindle. Não por falta de vontade ou preguiça, mas por estar escolhendo ler livros menos nobres na escala de nobreza invisível criada e seguida nos manuais do leitor culto: estou me dedicando a ler livros de suspense. Leio um atrás do outro. Tou conhecendo autores que nunca havia escutado e que escreve sobre a natureza humana com uma maestria que não deixa a desejar a nenhum estudo de caso clínico.

Mas estava me sentindo incomodada. Não estava conseguindo precisar o motivo e pensava que seria a pilha de livros mais nobres ao meu lado da cama gritando para serem concluídos.

Nada como uma imersão no mato literalmente falando. Minha mãe mora na zona rural na tal cidade de oito mil habitantes e o evento da semana aqui é a feira. Nada de eventos ditos culturais.

 Transitar por uma cidade tão tranquila, onde os dias são sempre tão iguais me fez novamente pensar no que me faz mais ou menos culta e me fez pensar no motivo de eu estar pensando nisso.

Por que me incomodar de ainda não ter lido o mais novo livro de Itamar se ele tá em minha mão há uns bons meses e sequer tenho pretensão de pegar para ler nesses próximos dias?

Será que sou mais ou menos culta por isso? Será que ler um livro de Agatha Christie me faz menos culta do que quem está lendo os lançamentos da semana passada?

Muito do que não queria morar em uma cidade menor era pra não sair deste circuito cultural que eu amava saber que tinha e iria quando quisesse. Parece que cada dia que passa eu venho refletindo que viver imersa na “cultura”, porém sem o tempo necessário para esperar que o que eu absorvi faça sentido e efeito em minha vida, não me faz mais ou menos culta do que minha prima que mora aqui ao lado e que tem muito mais conhecimento sobre o que ocorre aqui na região do que eu.

Estou me libertando de mais uma camada que me incomodava: estar sempre atrasada nas leituras do grupo que frequento.

Finalmente entendi que ler também é um ato subjetivo e que posso continuar lendo meus suspenses o quanto eu quiser que isso não me faz mais ou menos culta. 

Lília Sampaio
Lília Sampaio

Sou Lília Sampaio, psicóloga em Salvador, Bahia e uma psicanalista que gosta de histórias. Em minhas horas vagas, gosto de meus discos, livros, filmes, bichos, plantas, saidinhas com amigos e ficar em casa com minha família. Se você desejar fazer análise, faço atendimento presencial e online.

Outras colunas

Além das crises: as individualidades na infância atípica

No texto, a autora, também professora, aborda a necessidade de enxergar as crianças além de seus diagnósticos, especialmente quando se trata de autismo. Ela destaca a importância de não limitar as crianças por rótulos, mas sim de proporcionar experiências que promovam seu desenvolvimento integral, incluindo habilidades sociais e emocionais.

Achados na feira de troca de livros

Participar da feira de trocas de livros da biblioteca se torna um ritual cativante para a narradora, que descreve sua experiência de escolher cuidadosamente livros para trocar, encontrar preciosidades nas mesas de troca e se encantar com os achados literários. A atmosfera acolhedora e a oportunidade de renovar sua coleção de forma econômica e sustentável tornam essa experiência inesquecível.

HQ de Fato – Luto é um lugar que não se vê e O Novo Sempre Vem

HQ de Fato apresenta duas histórias impactantes. “Luto é um lugar que não se vê” aborda o cuidado amoroso em meio ao luto, enquanto “O Novo Sempre Vem” narra a vida e inspirações de Vannick Belchior, filha do icônico cantor Belchior. Ambas as narrativas oferecem uma visão sensível e reflexiva sobre amor, perda e herança emocional.

Uma crônica sobre uma crônica

O autor relembra uma crônica de Paulo Mendes Campos que oferece orientações para uma jovem de 15 anos, conectando-a à sua própria experiência ao escrever uma carta não enviada para si mesma. Discute a complexidade das relações humanas e da experiência de leitura, revelando sua preferência por obras específicas e abordando a incerteza subjacente à seleção de livros e à compreensão dos outros.

Todos os conteúdos de autoria editorial do Portal Assobiar podem ser reproduzidos, desde que não sejam alterados e que deem os devidos créditos.

REDES SOCIAIS

INSCREVA-SE NA NOSSA NEWSLETTER