A dinâmica do Deus Tempo

Se tem uma sabedoria popular, e até bíblica, que faz sentido é a que diz “há tempo de plantar e tempo de colher”. O problema é que nós somos ansiosos e impositivos. Plantamos quando queremos, e achamos que a colheita também está ao sabor do nosso tempo. Outra grande questão é que só nos damos conta de que o fruto nasce ao seu tempo – e que bom – depois de viver frustrações, implodir, explodir, mal dizer, abrir velhos gatilhos emocionais. Oh vida. Oh céus.

Estou mergulhada em uma dessas experiências. Por sorte, na fase de constatação de que, no rumo da vida, as engrenagens giram sincronizadas e, no momento certo, todas as coisas são reconhecidas como boas. Alguns meses após o que impunha meu relógio, o fruto de uma semeadura prolongada se apresentou. Ironicamente, parece que foi só esperar eu “deixar para lá”.

Deixar para lá o medo da frustração do não. Deixar para lá a resposta inconsciente imediata de que, para mim, tudo é mais difícil. Deixar para a lá a ideia de que a grama do vizinho é mais verde e mais fácil de crescer. Deixar para lá o medo de sonhar com o que parece impossível.

Se a dinâmica da vida fosse um moleque travesso, estaria, agora, gozando da minha cara. Rindo de embolar a barriga e dizendo “ha ha ha ha, olha lá ela, se consumiu para nada”. E eu seria obrigada a sorrir junto, pois, de fato, me consumi para nada. Mas sabe o bom? Estou sentindo a vida como um moleque generoso, de sorriso afetuoso, que me entrega algo a ser cuidado na certeza de que toda a vida vivida entre meu desejo e a realização foi necessária.

Viver no mundo dos adultos – e como adulto – é um baita desafio, e eu sei que você sabe disso. Entre a pulsão infantil de perfeição, onde tudo e todos se alinham conforme os esquemas e enredos criados em nossa cabeça, e a realidade concreta, há um intenso jogo acontecendo. Expectativa e frustração, medo e coragem, projeção e introjeção, e muitos outros antônimos e dicotomias.

Às vezes, entra um ‘outro’ na história. E esse outro é o culpado, é a justificativa, é o motivo das escolhas, das não-escolhas, das mudanças, das não-mudanças. A gente luta com esse tal outro, resiste, se impõe, se entrega, domina e se deixa dominar.

Na minha vida, depois de anos de análise, cheguei a uma conclusão: o outro sempre foi, é e será eu – ou as muitas versões de mim. Então, que eu saiba viver as fases sendo para mim mesma a vida moleque generoso.

Que você saiba viver as etapas, as esperas e os ciclos sentindo a vida como o moleque generoso, aquele que te encontra para sinalizar que é hora da semente florescer, do fruto brotar. Enquanto isso, segue o baile, continua plantando, dançando, vivendo. O tempo é Deus. 

Mari Leal
Mari Leal

Mulher preta, baiana do interior, mas acolhida pela capital (Salvador). Jornalista de formação, fui pescada para a cobertura política muito cedo, e aí estou há uma década. Na vida, um ser que deseja experimentar a multiplicidade do Universo e dos universos (humanos). Um coração pisciano que deseja desbravar o desconhecido. Amo os clichês e a forma como se mostram imperativos na vida cotidiana. Simples e grandiosos, acredito que carregam os segredos de um viver “ser”. Como Belchior, “não quero o que a cabeça pensa, quero o que a alma deseja”. E talvez seja este o meu principal desafio. Neste espaço, te convido para refletirmos sobre o cotidiano e como a vida prática nos atravessa.

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Achados na feira de troca de livros

Participar da feira de trocas de livros da biblioteca se torna um ritual cativante para a narradora, que descreve sua experiência de escolher cuidadosamente livros para trocar, encontrar preciosidades nas mesas de troca e se encantar com os achados literários. A atmosfera acolhedora e a oportunidade de renovar sua coleção de forma econômica e sustentável tornam essa experiência inesquecível.

HQ de Fato – Luto é um lugar que não se vê e O Novo Sempre Vem

HQ de Fato apresenta duas histórias impactantes. “Luto é um lugar que não se vê” aborda o cuidado amoroso em meio ao luto, enquanto “O Novo Sempre Vem” narra a vida e inspirações de Vannick Belchior, filha do icônico cantor Belchior. Ambas as narrativas oferecem uma visão sensível e reflexiva sobre amor, perda e herança emocional.

Uma crônica sobre uma crônica

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