Como já relatei outras vezes nos textos que escrevo para o Portal Assobiar, sou professora da Educação Básica em Imperatriz e recentemente migrei da Educação Infantil para o 1º ano do Ensino Fundamental. Essa transição me permitiu observar sobre uma perspectiva diferente as nuances do desenvolvimento infantil em diferentes estágios e o impacto de nossas práticas pedagógicas na formação das crianças.
Minha sala é uma concha de retalhos colorida de histórias. Tem alunos e alunas que já estudavam na própria escola e outros novatos vindos de diversos bairros de Imperatriz e até de outras cidades, como Senador La Roque. Em uma das primeiras aulas do ano, propus uma atividade de colorir desenhos para as capas dos cadernos das crianças. Os desenhos, bonequinhos simpáticos, eram o início de um projeto que visava personalizar o material escolar das crianças, tornando-o mais acolhedor e familiar. Mas, ao distribuir os desenhos, deparei-me com um pedido recorrente que me fez pausar: “Tia, preciso do ‘lápis cor de pele’”.
A expressão “lápis cor de pele”, associada ao tom salmão, levou-me imediatamente à minha própria infância nos anos 90, quando essa cor, que remete à pele clara, era um consenso representativo inquestionável e geral da pele das pessoas. Só que diante de uma sala majoritariamente composta por crianças negras, e dessa vez como professora e não mais uma aluna, esse pedido ressoou de maneira diferente e incômoda. A naturalidade com que a cor salmão foi aceita como a “cor da pele” por quase toda a turma me surpreendeu e me preocupou. Ao final da atividade, conferindo as atividades, apenas uma menina negra havia escolhido o marrom para pintar seu desenho.
Nesse momento, consegui enxergar na prática o que leio em pesquisas que às vezes parecem tão distantes do nosso dia a dia. Isto porque, apesar dos avanços nas discussões sobre racismo e diversidade, as sombras do preconceito e da ignorância ainda se fazem presentes nas experiências cotidianas de nossas crianças. A escolha inocente do lápis salmão como “cor de pele” revela como concepções estreitas de identidade e beleza continuam a ser transmitidas através das gerações.
Por isso é importante reconhecer que a escola não é um campo neutro. Pelo contrário, ela reflete e até intensifica os conflitos sociais presentes em nossa sociedade. Assim, é inaceitável que nós, educadores, nos posicionemos de forma supostamente neutra diante dessas questões. É nosso dever intervir em práticas que tentam impor uma hegemonia cultural e estética sobre nossos alunos e alunas, promovendo um ambiente que valorize a diversidade e a inclusão.
Para finalizar, refletindo sobre essa experiência, percebo a importância de nosso papel como educadores em desafiar e ampliar essas noções limitadas. É essencial criar espaços de diálogo e reflexão que permitam às crianças reconhecer e celebrar a diversidade de cores, culturas e histórias que compõem a concha de retalhos da sociedade. A sala de aula deve ser um lugar onde todas as crianças se vejam representadas e valorizadas, onde a “cor de pele” abranja todos os tons da humanidade.