Giselia Alves dos Santos: professora

 “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. (Paulo Freire in Educação como prática, 1979)

Giselia Alves dos Santos. Ilustração: Idayane Ferreira

De educação transformadora e de pessoas transformadas pela educação, a mulher do perfil de hoje entende. Ela é professora, mas não qualquer professora, ela é uma professora diferentona.

Giselia Alves dos Santos nasceu em 1984 no interior do Ceará, mas sua trajetória de vida logo a levou a novos horizontes. Em 1986, uma das maiores secas da história do estado forçou sua família a migrar em busca de melhores condições. A família se estabeleceu primeiro no Maranhão e depois no Goiás, onde o pai de Giselia trabalhava em fazendas devido à sua experiência com a roça. Foram anos de muito trabalho e mudança, até que se fixaram em Imperatriz, no Maranhão.

Como a caçula de três filhos, ela cresceu em um ambiente de constantes desafios. Seu irmão mais velho, Jeová, e sua irmã, Zélia, junto com seus pais, enfrentaram as dificuldades da vida rural e das migrações. Sua mãe, uma dona de casa dedicada, e seu pai, um trabalhador rural incansável, lutaram para proporcionar uma vida melhor para seus filhos.

Após completar o ensino fundamental em Lagoa Verde (MA) e o ensino médio na Escola Dorgival Pinheiro de Souza, em Imperatriz (MA), conheceu seu esposo e casou-se. A jornada educacional, porém, sofreu interrupções devido à falta de transporte, mas Giselia não desistiu. Com esforço e apoio, ingressou na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), onde se formou em Ciências Humanas em 2018.

Antes de se tornar professora, trabalhou em diversos empregos públicos na área administrativa, sempre em contato direto com o público. Sua habilidade em lidar com pessoas e seu desejo de fazer a diferença na vida dos outros a motivaram a buscar uma carreira na educação. Em 2021, decidiu prestar concurso e ingressou na área educacional, onde atua há três anos na educação de jovens e adultos, ensinando alunos de idades variadas, de 15 a 67 anos.

Giselia leciona à noite na mesma comunidade onde cresceu e estudou, além de dar aulas na zona rural e na cidade de Imperatriz. Sua rotina é intensa: trabalha pela manhã na Escola Vila Conceição, a 10 km de distância por estrada de chão, à tarde na Escola Sebastião Régis, na cidade, e à noite retorna para casa para ministrar aulas. Ela destaca o impacto positivo dos projetos colaborativos, que trazem visibilidade à escola onde estudou e agora trabalha. Embora dividida entre três escolas e um projeto da Uemasul, ela se dedica especialmente à escola onde foi aluna, criando um ambiente que ela chama de “fábrica de ideias”.

Sua abordagem pedagógica é marcada pela personalização e pelo envolvimento dos alunos. Planeja suas aulas com o intuito de alcançar todos os alunos, adaptando o conteúdo para que todos possam aprender de alguma forma, buscando maneiras de tornar o aprendizado significativo e acessível. Ela se dedica a criar um ambiente de aprendizado acolhedor e desafiador, onde cada aluno se sinta valorizado e incentivado a alcançar seu potencial.

“Bem, na educação, eu disse que não quero ser apenas mais uma professora. Eu quero ser aquela professora. Por isso, todos tiram sarro de mim, porque coloquei no meu perfil uma ‘Professora diferentona’. Mas o que tem de diferente? Não é que eu faça algo extraordinário; eu faço o comum, à minha maneira, e isso dá certo. Eu ministro aulas da forma que gostaria de ter. Quero dizer, ainda me coloco na posição do meu aluno. Se todo professor se colocasse no lugar do aluno e planejar aulas conforme ele gostaria de tê-las, faria uma grande diferença. Eu sempre penso nisso ao planejar. Fico imaginando: ‘como vou alcançar aquele menino lá do canto, se ele não participa da aula, como vou avaliá-lo? Como alcançá-lo?’. Esse é meu foco ao planejar: ver primeiro o meu objetivo e pensar em como alcançar aquele aluno com esse planejamento”.

Para Giselia, a educação é uma ferramenta poderosa de transformação. Ela não se considera um caso típico de sucesso, mas uma história de perseverança e inspiração. Seu objetivo é ser uma professora que faz a diferença, não apenas transmitindo conhecimento, mas também motivando seus alunos a verem na educação uma maneira de melhorar suas próprias vidas. Ela deseja ser um exemplo para seus filhos e para a comunidade, mostrando que, com dedicação e educação, é possível mudar a própria realidade.

“Não sonhei em ser professora, mas decidi ir para a educação. Decidi ser professora para, por meio da educação, tentar mudar a realidade e fazer com que o aluno entenda que a educação é necessária. Estudar não é bom, nunca foi, mas é necessário. O aluno precisa entender isso, e a forma como você passa o conteúdo para ele é que vai fazer com que ele goste ou não do que você ministra”.

A professora enfatiza a importância de trabalhar na base educacional para entender e combater as deficiências que impactam o ensino médio e superior. Ela notou que muitos alunos chegam ao ensino médio sem saber ler e escrever adequadamente, o que a motivou a focar na alfabetização e letramento básico. Destaca ainda a importância das metodologias ativas em sala de aula, começando pela sala invertida e adaptando o ensino às necessidades dos alunos. Por exemplo, ela conseguiu envolver um aluno através de desenhos, o que mostrou ser uma forma eficaz de comunicação e aprendizado.

Ela transformou essas metodologias em projetos que foram premiados em diversas competições, locais e nacionais. Desenvolveu oficinas para ensinar os alunos a fazerem pesquisa científica desde cedo, envolvendo-os em atividades práticas como elaboração de questionários e projetos de campo, o que facilitou a aprendizagem e engajamento dos alunos. Para Giselia a ciência deveria ser introduzida na vida escolar desde cedo, com os alunos aprendendo a pesquisar e resolver problemas reais, preparando-os melhor para o futuro acadêmico e profissional.

Inspirada por Paulo Freire, utiliza recursos locais para ensino, como caroço de açaí e folhas de bananeira, mostrando que é possível oferecer educação de qualidade com os materiais disponíveis. A criação dos projetos se baseia em identificar problemas na comunidade e buscar soluções, envolvendo os alunos diretamente no processo. Seus projetos, como o uso de bambu para feirinhas de ciências, visam melhorar a realidade da comunidade e conseguir recursos, como através do SEBRAE. Acredita que ao transformar a comunidade, também melhora a vida dos alunos.

“O primeiro projeto pelo qual fomos premiados foi a catalogação de plantas medicinais do Cerrado. Nossa comunidade é composta pelo bioma do Cerrado, então as plantas que lá encontramos são típicas desse bioma, embora tenhamos também influências da pré-Amazônia. A pesquisa surgiu em um período em que todos queriam saber para que serviam essas plantas, especialmente o xarope de malva, muito utilizado. Poxa, foi interessante ver o que a comunidade utiliza tanto. Realizamos um questionário para identificar os tipos de remédios caseiros que utilizam, visando verificar sua validade científica, já que muitos desses medicamentos fazem parte da Relação Nacional de Medicamentos.”

Ela enfatiza que é necessário a adaptação da metodologia de ensino para atender às necessidades individuais dos alunos, especialmente os com transtornos ou deficiências, e critica a estagnação de muitos educadores presos a métodos ultrapassados. Argumenta que a formação docente deve incorporar abordagens dinâmicas e atuais, considerando a realidade e as especificidades dos estudantes. Além disso, ela destaca que o modelo tradicional de educação não se adequa à realidade brasileira, com muitos professores replicando conteúdos descontextualizados que resultam em desinteresse e baixa eficácia no aprendizado. A professora defende a descolonização das mentes dos educadores e a adaptação do ensino às mudanças sociais e culturais, visando uma educação que tenha um impacto significativo na vida dos alunos.

Giselia compartilhou a história de um aluno idoso que, com o incentivo e educação, conseguiu apresentar um projeto científico e ganhar um prêmio, destacando a importância de um ensino que faça sentido e transforme a vida dos estudantes. A professora vê a educação como uma missão social e acredita que, se não conseguir causar impacto positivo nos alunos, não está cumprindo seu papel.

Ela reflete sobre sua experiência pessoal de superação e a importância de ter objetivos claros, incentivando seus alunos a sonharem e a perseguirem metas concretas. A professora compartilha suas aspirações de continuar impactando positivamente sua comunidade e expressa o desejo de formar outros professores para replicar suas abordagens eficazes. Embora não tenha uma ambição específica de cargo, ela deseja ser reconhecida e respeitada pelo impacto de seu trabalho na educação.

Giselia é uma educadora comprometida e apaixonada, cuja trajetória de vida e dedicação à educação fazem dela uma verdadeira inspiração para sua comunidade, alunos e outros professores. Ela prova que, apesar das dificuldades, é possível alcançar grandes realizações e transformar a vida de muitos através do ensino.

Idayane Ferreira
Idayane Ferreira

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