Livros abandonados na estante

Escrevo ao som de “Fotos na estante”, do Skank, por algum motivo que não sei explicar direito; a música me pareceu combinar com o tema da coluna de hoje, e aqui estou eu, ouvindo pela enésima vez, em um loop infinito. Normalmente, escrevo usando fones e ouvindo músicas em inglês, instrumental, ruídos brancos ou marrons – gosto de sons com nome de cores – é a maneira que encontrei de focar minha mente vagante na tela do computador e na ideia que estou desenvolvendo.

Já falei sobre antibibliotecas – quando você tem mais livros do que consegue ler – e sobre livros que estão na minha lista de “para ler depois…” – como os livros da Clarice Lispector que, orgulhosamente, já estou colocado na lista de “lendo agora”. Mas, quais leituras simplesmente abandonei?

O tema da coluna de hoje veio por acaso quando me deparei com a lista dos 106 livros mais abandonados durante a leitura pelos leitores do Skoob – uma rede social brasileira voltada para leitores e escritores. Embora a lista possa mudar no decorrer do tempo – à medida que mais pessoas vão adicionando os livros que abandonaram – fiquei pasma que fosse justamente “A menina que roubava livro”, de Markus Zusak, a encabeçar a lista, sendo abandonado por mais de 21 mil leitores! Gostei bastante dessa obra, que está entre as 23 da lista que já li.

Enquanto penso sobre os livros que abandonei e no porquê, o Samuel Rosa canta “Sem mais nem menos. Sem remédio, sem desculpa. Em horas tortas. Horas tímidas, ocultas”. Em geral, tento finalizar todas as leituras – respeito, inclusive, quando não estão fluindo e, às vezes, dou apenas uma pausa para retornar depois, o que costuma funcionar. Mas quando sinto que, de verdade, algo em um livro não me agrada e não adianta usar de subterfúgios, excluo definitivamente o e-book do Kindle ou dou um fim no livro físico.

Gosto de histórias e me deixo envolver pelo que os livros me propõem e me fazem sentir no momento da leitura. Não costumo pular cenas, mesmas as mais violentas ou polêmicas, e isso me dá um pouco de couraça para leituras mais pesadas. Mas, às vezes, um livro traz um impacto emocional ou me deixa frustrada e eu não consigo ler.

Se me lembro bem, este ano abandonei dois livros em formato digital: “O cortiço”, de Aluísio Azevedo, e “Eu serei a última”, de Nadia Murad. Fiz um esforço imenso para avançar na leitura do primeiro e me dei conta de que simplesmente não conseguiria dar continuidade; não gostava da linguagem, não conseguia me prender aos personagens e à história, e exclui o e-book.  O segundo é o relato de uma mulher que foi cativa do Estado Islâmico, sofrendo graves violações de direitos humanos – a narrativa é perturbadora e me vi abandonando a leitura nas primeiras páginas, enquanto balançava institivamente a cabeça, tentando me livrar das cenas descritas.

Penso sobre os livros abandonados enquanto a música do Skank ressoa mais uma vez em meus ouvidos, fisgo uma estrofe: “Digo o que fazer então, são memórias tão reais do que nunca aconteceu.” Não sou de abandonar leituras sem concluí-las, no máximo adio, mas quando acontece entendo como algo saudável. Nem todos os livros me cativam e aprendi a respeitar meu próprio tempo e interesse, de modo que abandonar um livro me liberta para ler algo que realmente me inspire e motive. Paciência, livros abandonados são memórias que não vão acontecer.  

Idayane Ferreira
Idayane Ferreira

“Jornalista com “abundância de ser feliz”, mais “da invencionática” do que “da informática”, acredita piamente que Manoel de Barros escreveu “O apanhador de desperdícios” baseando nela.“

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