“Às mulheres, em qualquer estágio da vida, lembra que sonhar é o primeiro passo para realizar. Tenham coragem, confiem em sua capacidade de transformação. A vida pode parecer desafiadora em alguns momentos, mas é nas dificuldades que encontramos nossa força interior.“
Na vastidão dos campos de coco babaçu, entre o frescor das palmeiras, emerge a trajetória singular de Vanusa da Silva Lima. Filha de quebradeira de coco, abraçou o legado da luta e da resistência desde o berço. “Demorei a conhecer outros tipos de árvores e brincava mais com brincadeiras ‘típicas’ de meninos. Eu enterrava as bonecas. Não tinha afeição em maternar bonecas”.
Vanusa Babaçu, como assim é conhecida, carrega consigo não apenas um sobrenome, mas um testemunho vivo da força das mulheres quebradeiras de coco que moldaram sua história. Nascida sob a sombra imponente dos babaçuais no interior do Maranhão, Vanusa encontrou na infância entre os cocos sua primeira escola de vida.
Brincadeiras simples, o calor do sol sobre a palha, e a simplicidade do cotidiano marcaram seus primeiros anos. Naquele universo vasto e verde, aprendeu lições que só a terra áspera e generosa do Maranhão poderia oferecer.
A mudança para Imperatriz, embora distante das raízes do coco babaçu, trouxe consigo o desafio de ser mãe e dona de suas próprias escolhas. Claro que no início dessa jornada ela mais se submeteu a decisões alheias, do que pôde escolher. Mas tudo foi uma questão de tempo. Com o passar dos anos, veio os estudos universitários, formou-se em pedagogia, teve três filhos, tornou-se mestra [com mestrado] e cortou o mal de sofrer violências, algo que sua mãe também vivenciou.
“Minha mãe sofreu todos os tipos de violência. Da obstétrica a doméstica. Apesar das adversidades e violências que sofreu, ela [mãe] encontrou forças para nos educar. Apesar disso, tive uma infância feliz”, relembra.
Vanusa chegou em Imperatriz no final dos anos 1980, veio na esperança de melhores condições de vida. Chegou com um filho no colo. A mãe veio antes para a cidade, em 1987. Uma época em que poucas, ou nenhuma política pública e direitos existiam para as mulheres. Ainda mais nas condições que elas recomeçavam a vida.
“A cidade me abraçou, eu consigo amar muito Imperatriz, e fui acolhida na cidade. Criei meus filhos e depois eles criaram outras relações e outros laços afetivos. Eu acho que a minha cidade mesmo de vivência foi Imperatriz porque quando eu tava lá [no interior do Maranhão] eu tinha uma visão de mundo e depois que eu cheguei aqui eu tive outra visão de mundo. ”
Algo curioso na vida da Vanusa, é o olhar fotográfico que entrou em sua vida como um sopro de inspiração, uma maneira de divulgar e dar visibilidade às histórias e vivências das mulheres babaçuzeiras. Por meio das lentes de sua câmera, buscou capturar não apenas imagens, mas também emoções, revelando a beleza e a dignidade dessas mulheres guerreiras que moldaram sua identidade.
O seu olhar fotográfico é um olhar diferenciado sob as quebradeiras de coco, coco babaçu, aldeias, territórios indígenas e povos indígenas. “Foi algo que fui desenvolvendo por influência do Movimento de Educação de Base (MEB), que foi extinto do Brasil [MEB criado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB]. Sob essa influência fiz ensino médio, faculdade em Pedagogia e depois fiz mestrado na UNB [Universidade Federal de Brasília] em sustentabilidade e populações tradicionais”.
Vanusa tem uma jornada que se desenrola através das lentes de uma câmera, porque sua vida tomou o rumo de liderar as comunidades tradicionais, pois faz parte da Coapima (Coordenação das Articulações das Organizações dos Povos Indígenas do Maranhão).
Ela atravessou as lentes e não se dedica de forma exclusiva as fotografias hoje em dia. “Faço algumas fotografias, mas eu nunca mais fiz uma exposição. Porém acho bom fazer fotografia neste estilo que faço. Porque não é fotografia que você faz em qualquer dia ou qualquer hora, ou em qualquer lugar, ela precisa de muito, muito trabalho mental, inspiração e encontro. ”
Vanusa acrescenta que trabalha muito com os povos indígenas e essas imagens acabam sendo muito difícil de se ter acesso. “Eu até faço muitas fotos, mas nem sempre eu vou poder mostrar, então eu não considero que as fotografias que eu faço vou poder exibir. Essas fotografias estão no meu trabalho de relatoria e algumas imagens estão disponíveis para mostrar e são trabalhos de uns 5 e 6 anos atrás. ”
Como assessora da Coapima, Vanusa está imersa nas comunidades e aldeias indígenas do Maranhão, guiada pela missão de articular e empoderar, sobretudo, as mulheres indígenas da região. Ela desfruta da liberdade de circular entre esses territórios e se tornou a essência do seu trabalho, uma jornada incessante que a leva de uma comunidade para outra, numa busca constante por histórias e conexões que transcendem a fotografia.
Conto a Vanusa que ela é inspiração com o seu olhar fotográfico e que muitas vezes quando eu era estudante de Jornalismo da UFMA, ouvia ou via seu nome sendo citado como referência de fotografias diferenciadas. Algumas vezes pude presenciar suas exposições fotográficas.
“Faz tempo mesmo que eu tô envolvida com a universidade, às vezes eu até me sinto um pouco madrinha do curso [de Comunicação Social-Jornalismo da UFMA de Imperatriz], eu fico feliz quando encontro alguém do jornalismo, porque o jornalismo é o único curso aqui de Imperatriz que tá mais próximo da fotografia e da arte […] Eu acho, posso estar errada também, mas eu acho que a fotografia também escreve. E a escrita também fotografa, né? Também descreve uma pessoa, porque agora usamos [nas redes sociais] ‘pra cego ver’, né? ”
Ela ressalta que fica feliz em não ter essa formação acadêmica [Jornalismo] e mesmo assim contribuía com o curso. “Eu faço referência e se isso ajuda alguém a inspirar um trabalho eu… eu fico muito lisonjeada assim de saber, né? Que de repente eu possa trazer algo que possa acrescentar na vida da Juventude. ”
Hoje em dia Vanusa tem 55 anos e muitos momentos marcantes cravados em sua memória: o nascimento dos três filhos, assim como a descoberta das gravidezes. O dia de se formar em Pedagogia, o dia que passou para o mestrado. Algo tão distante da realidade de uma jovem que saiu do interior do Maranhão, com um filho no colo, mas que tinha à sua frente uma cidade que estava cheia de conflitos ambientais, carente de direitos e políticas públicas para mulheres. O que lhe resta a pedir para os próximos anos?
“Eu quero viver. Viver bem e com saúde! Estou numa fase de poder fazer escolhas (o que eu quero e o que eu não quero fazer). Hoje em dia eu posso dizer o que eu quero fazer. Me sinto bem só de acordar viva. Penso em cuidar mais de mim.”
Ela aproveita para deixar uma mensagem as mulheres:
“Às mulheres, em qualquer estágio da vida, lembra que sonhar é o primeiro passo para realizar. Tenham coragem, confiem em sua capacidade de transformação. A vida pode parecer desafiadora em alguns momentos, mas é nas dificuldades que encontramos nossa força interior. Não tenham pressa; cultivem a calma e a determinação. Lembrem-se de que, mesmo diante dos obstáculos, é possível fazer escolhas e seguir em frente. E, acima de tudo, nunca deixem de acreditar em si mesmas. Sejam livres para traçar seus próprios destinos, com coragem, amor e respeito.”
Por fim, ela relatou uma curiosidade. Vanusa, tomou uma decisão de ecoar a sua ancestralidade: adotar o sobrenome Babaçu. Essa escolha foi um ato de profunda conexão com suas raízes e identidade. Cada vez que seu sobrenome era proclamado, ela via uma oportunidade de tecer um relato sobre suas origens, uma narrativa entrelaçada com os fios da história de sua família e da terra que os viu florescer.
Nos últimos anos, teve uma grata surpresa. Vanusa acolheu com ternura os presentes mais preciosos da vida: uma neta (Ana Babaçu) e um neto (Bento Babaçu). Nos documentos oficiais, o sobrenome Babaçu está gravado, uma doce surpresa presenteada por seu filho. É como se a tradição e a herança familiar fossem transmitidas de uma geração para outra, através do sobrenome Babaçu. Agora, carregam consigo as memórias e o sopro de esperança para o futuro.
Jornalista especializada em Assessoria de Comunicação Organizacional e Institucional. Já vivenciou experiências profissionais nas áreas de publicidade e propaganda, produção de documentários, radiojornalismo, assessoria política, repórter do site jornal Correio de Imperatriz e social mídia. Boa parte de suas experiências profissionais foram em assessorias de comunicação institucional de ONGs, com ativismo social voltado para a defesa de direitos humanos, justiça socioambiental e expansão da agroecologia na região do bico do Papagaio; esses trabalhos ocorreram nas cidades de Açailândia, Imperatriz (MA) e Augustinópolis (TO).