O aniversário da Infanta: um conto de partir o coração

Em O Aniversário da Infanta Oscar Wilde não tem pena de quebrar corações. Fiz essa leitura em janeiro no livro ‘O Fantasma de Canterville‘, que reúne o famoso conto do Conde de Canterville e outras três histórias.

No texto anterior do livro, ‘O Filho da Estrela‘, Wilde também não se preocupa em deixar um final feliz. Parece mais querer chocar e tocar profundamente a alma do leitor. Com exceção de O Fantasma de Canterville, que tem até mesmo um tom bem-humorado, as outras narrativas são sempre bonitas e dolorosas. Todos os textos do livro são geniais, com alguma dose de humor, mas também de ironia e sarcasmo, recheados de críticas à moralidade e às aparências.

A Infanta é uma princesa espanhola sem direito ao trono – sim, tive que pesquisar isso – cercada de luxos e paparicada pelo pai, o Rei, que sofre de uma profunda depressão, um vazio existencial desde que perdeu sua amada esposa.

No relato, o célebre autor apresenta sutilmente, nas entrelinhas das histórias, como se não quisesse evidenciar nada, os horrores da inquisição, como no trecho sobre o casamento do Rei e sua esposa, que conhecera no Palácio de Fontainebleau, na França:

“Mais tarde, as núpcias foram completadas em Burgos, pequena cidade da fronteira dos dois países, e veio a grande entrada pública em Madri com a costumeira celebração de missa solene na Igreja de La Atocha e UM MAIS SOLENE AINDA AUTO-DE-FÉ, em que cerca de TREZENTOS HEREGES, entre os quais muitos ingleses, foram entregues ao braço secular para serem queimados” (p. 85).

Interessante como, ao mesmo tempo em que faz uma crítica, Wilde também zomba desses prazeres estranhos da nobreza e do clero ao apontar que o momento de fé mais aguardado da cerimônia pós-núpcias e da apresentação da nova rainha seria, na verdade, a punição dos traidores da fé. Essa habilidade de lançar críticas por meio do absurdo se repete ao longo do livro.

Depois, durante o aniversário da princesinha de 12 anos, acontecem várias apresentações, entre elas a de um grupo de ciganos que vivia ali perto. Eles levam um susto ao entrar na arena de espetáculo e perceberem a presença do inquisidor da Espanha, que dias antes havia condenado alguns de seus companheiros ao enforcamento. No entanto, logo deixam o temor de lado e fazem sucesso na festa com sua música e dança.

A Infanta e os convidados adoraram a performance, mas a principal atração vem logo depois: um anão que vivia na floresta e que os soldados capturaram no dia anterior.

Quando o anão nos é apresentado, Wilde retoma a discussão sobre o belo e o feio, tema que também aparece em O Filho da Estrela, e, em algum grau, nos contos O Fantasma de Canterville, O Príncipe Feliz, O Rouxinol e a Rosa, O Gigante Egoísta e, especialmente, no clássico O Retrato de Dorian Gray, no qual a questão da beleza é central.

O anão surge como uma criatura horrenda, capaz de incomodar até as mais simpáticas flores, que cochicham e resmungam entre si diante de sua presença, proximidade e felicidade. Vamos a alguns trechos:

“Mas o anão era mesmo irresistível, e nem na Corte de Espanha, famosa pela sua cultiva paixão pelo horrível, se vira jamais um monstro tão fantástico” (p. 91).

“Tinha sido descoberto na véspera […] por dois nobres que haviam ido caçar […] Seu pai, que era um pobre carvoeiro, ficara muito contente em se ver livre de tão feia e inútil criatura.” (p. 91).

Chamou-me a atenção que, ao mesmo tempo em que as pessoas – incluindo a princesa Infanta – riem de sua fealdade, também se incomodam com o fato de ele não se sentir triste, de não se abater com a zombaria. Ele continua dançando alegremente, como fazia na floresta quando os caçadores o encontraram.

“O que tinha de mais divertido era talvez sua completa inconsciência do próprio grotesco. Na verdade parecia feliz, cheio de alegria. Quando as crianças riam, ele também ria tão livre e alegremente como elas” (p. 91).

Esse incômodo ressurge no diálogo entre as flores:

“Algumas violetas tiveram de concordar que a feitura do Anão era quase escandalosa e que ele teria mostrado mais bom-gosto parecendo triste, ou pelo menos pensativo, e não dando pulos alegres ou se entregando a tão grotescas e tolas atitudes” (P. 93).

Ou seja, ser feio e monstruoso a serviço da zombaria é aceitável, mas ser feliz nessa condição é impensável. Não é sua aparência que incomoda, e sim o fato de que ele não se entristece com a humilhação, não reflete sobre sua situação, mas continua alegre apesar de seus supostos defeitos.

O anão é o tipo de criatura que só satisfaz as pessoas quando não tem orgulho, quando aceita a humilhação. Espera-se que ele não sinta felicidade nem prazer, apenas remorso, tristeza e dor por sua própria condição.

Ao final de sua apresentação, o anão fica completamente encantado com o delicado gesto da infanta ao lhe entregar uma rosa branca, que ele guardará com grande apreço como lembrança da princesinha. Sua felicidade aumenta ainda mais ao saber que a alteza deseja vê-lo dançar novamente em sua festa de 12 anos, logo após o corte e a degustação do bolo real, que acontecerá dentro do palácio.

Enquanto os nobres e convidados seguem para a parte interna do palácio, o anão, sem permissão para entrar, celebra sua conquista – o convite para se apresentar novamente – caminhando pelos jardins e ouvindo os insultos das flores.

“Ele é feio demais para brincar junto de nós – gritaram as tulipas” (p. 93).

Mas a genialidade de Wilde cria este insulto inusitado:

“É um horror! – disse o Cacto. – Vejam, é atarracado e torto”. (p. 93).

A pausa inserida ali no meio da frase é, no mínimo, incrível. Ela sugere que o personagem que julga não é, de fato, um ser tão bonito ou que inspire a aproximação das pessoas, assim como o anão-sem-nome.

Esse tipo de hipocrisia e prepotência aristocrática também aparece em todos os outros contos do livro e se reflete nesta história, durante a apresentação das marionetes que representam uma tragédia semiclássica:

“Os fantoches representavam tão bem e seus gestos eram tão naturais que ao fim da peça os olhos da Infanta estavam marejados de lágrimas. Algumas crianças choravam de verdade, e *o PRÓPRIO GRANDE INQUISIDOR FICOU TÃO COMOVIDO QUE NÃO PÔDE DEIXAR DE DIZER A DOM PEDRO QUE LHE PARECIA INTOLERÁVEL que coisas feitas simplesmente de madeira e cera colorida, e movidas por meio de fios, pudessem ser tão infelizes e sofrer desgraças tão horríveis” (p. 89).

Ora, quatro páginas antes, soubemos que o inquisidor havia mandado trezentos “hereges” para a fogueira e, mais recentemente, condenou ao enforcamento dois ciganos. Como pode esse mesmo homem se comover com a ficcional tragédia de marionetes e fantoches? Como pode a tragédia desses fantoches ser mais dolorosa que a morte daquelas pessoas?

Bem, este é um tema bastante atual: há mortes que, neste exato momento, valem pouquíssimo e talvez comovam menos os poderosos do mundo do que uma tragédia cinematográfica ou uma apresentação no teatro.

Mas, voltando à beleza do anãozinho, ela finalmente aparece: enquanto as flores e os cactos insultam o passeio do anão pelo jardim, os pássaros lembram-se de sua generosidade, quando ele lhes dava migalhas de pão na floresta, ou de quando se sentava num toco para repartir suas nozes com os esquilos, ou ainda, de quando dividia sua pobre comida pela manhã.

E assim, os pássaros vieram dançar com ele e, enquanto ele lhes falava, nada entendiam e sentiam que nada tinha importância; apenas concordavam alegremente enquanto festejavam com o amigo.

Também os lagartos gostaram dele, apesar de uma breve observação narcisista: “Nem todo mundo pode ser tão bonito quanto um lagarto […] isso seria esperar muito” (p. 95). O comentário não é feito porque acham o anãozinho feio, mas porque o padrão de beleza dos lagartos é elevado, pois se consideram extremamente belos.

Então, as flores acusam os lagartos e os pássaros de serem “pessoas vulgares” e de que seu movimento constante os tornara vulgares. Elas, as flores, eram “bem-nascidas” e, por isso, sempre ficavam exatamente no mesmo lugar; se precisassem se mover, o jardineiro as carregaria para outro local. Mas os pássaros e os lagartos não tinham senso de repouso.

A aristocracia se diferencia justamente por sua relação distinta com o trabalho. O que as flores possuem é o privilégio de não precisar buscar seu próprio alimento. É isso que elas estão argumentando.

Como em outras histórias de Wilde, aqui é novamente apresentada a dicotomia entre a aristocracia e a plebe e uma denúncia a desigualdade social. A primeira se gaba de suas qualidades e da possibilidade de repouso, da imobilidade e da segurança de permanecer exatamente no mesmo lugar, sem precisar trabalhar, rastejar ou esvoaçar em busca de alimento, como fazem os pássaros e lagartos, que vivem na instabilidade, no vai-e-vem e no trabalho árduo.

Acompanhamos finalmente a jornada do anãozinho para dentro do castelo, enquanto, em seus sonhos, ele delira apaixonadamente sobre o amor que um dia poderá oferecer à princesa, apresentando as magias e belezas da floresta.

Mas, entre os corredores do palácio, o anão vive a grande descoberta sobre si e sobre o mundo. É somente aí que o leitor conhece melhor as personagens, nesse momento final.

Marcos Antonio

Sou Marcos Antonio, de Açailândia - MA, Graduando em Ciências Sociais pela UFT, pesquisando sobre educação, movimentos sociais e território, mas atuando com a educação política, com as juventudes, e com a temática do emprego e renda. Nosso projeto mais recente é a formação de um coletivo de juventudes presente hoje em 05 cidades do MA e 01 do TO.

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