Minha mãe sempre deu muita importância aos nomes das pessoas. Para ela, chamar alguém pelo nome – ou pelo nome que a pessoa prefere – é um sinal de respeito e reconhecimento. Foi com ela que aprendi, ao longo da minha vida, a chamar as pessoas pelo nome assim que as conheço. Esse simples gesto cria proximidade, gera conexão e fortalece laços. Eu também gosto quando me chamam pelo meu nome. Essa ação é amplamente difundida como uma forma eficaz de estabelecer conexões mais profundas e demonstrar respeito e atenção. Autores da área de comunicação, oratória e empreendedorismo frequentemente enfatizam que chamar ou usar o nome de alguém em uma conversa/palestra pode fortalecer vínculos e tornar a interação mais pessoal e significativa.

Mas por que resgatei essa memória afetiva para iniciar o texto de hoje? Porque a mulher que escolhi para perfilar carrega um nome forte: Maria dos Reis. E, curiosamente, agora, na fase adulta, sua identidade se reflete também em sua aparência – seu cabelo se transformou em uma verdadeira coroa, um black power imponente. Pequena em estatura, magra, mas gigante na presença, Maria dos Reis impõe sua voz com força e fala com orgulho sobre suas origens.
Mas antes de continuar a falar sobre ela, quero contar como a conheci. Enquanto universitária, na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em Imperatriz, fui bolsista do Programa de Educação Tutorial – Conexões de Saberes, um grupo multidisciplinar onde convivi e trabalhei com pessoas de diversos cursos do campus. Quando entrei, algumas pessoas estavam saindo, e entre elas estava Maria dos Reis.
Tivemos três amigos em comum por um tempo, e, nesse período, nossos caminhos se cruzaram em diferentes espaços. Primeiro, no Grupo de Pesquisa ALMA, dedicado a estudos e vivências sobre os quilombolas do município de Alcântara, no Maranhão. Mais recentemente, nos reencontramos no Centro de Cultura Negra Negro Cosme de Imperatriz, fortalecendo ainda mais essa conexão.
Maria dos Reis é pedagoga formada pela UFMA de Imperatriz, onde também concluiu o mestrado em Educação. Foi nesse percurso acadêmico que nasceu seu primeiro livro, “A Professora Marrom”, que narra a história de uma professora que utiliza a literatura para dialogar com as crianças sobre racismo. Com essa obra, Maria dos Reis busca promover uma educação antirracista não apenas para os pequenos, mas também para os profissionais da área, incentivando reflexões e transformações dentro e fora da sala de aula.
Começo nossa conversa querendo saber como nasceu o livro. E ela diz que a obra “A Professora Marrom” surgiu como proposta para o produto do mestrado de Maria em educação profissional pela UFMA. Sua pesquisa de mestrado era com crianças, sobre como elas veem a escola e como o racismo está presente nelas. A orientadora de Maria, a professora Doutora Herli de Sousa Carvalho, pediu que ela escrevesse um livro paradidático sobre suas histórias com as crianças relacionadas ao racismo na escola.
“O livro fala dessa professora que usa a literatura como suporte para trazer diferentes temáticas para dentro da sala de aula e para conversar com as crianças”, explica Maria. Ela usa a leitura permanente como metodologia em sua prática docente. Sempre inicia a aula com a leitura de um livro e, em seguida, conversa com as crianças sobre o tema abordado, uma obra “quase” auto biográfico.
O livro também relata uma situação que aconteceu em sala de aula com Maria. Um menino chamou um colega de “marrom” e disse que ele era o único de cor marrom na sala de aula. Maria interveio e disse que ele não era o único marrom, pois ela também era marrom. Ela explicou que o termo correto era negro e que ela era negra. Após a intervenção de Maria, outras crianças também se autodeclararam negras. “Eu fiquei muito contente de ver que as crianças já estavam tendo essa percepção de que elas são pessoas negras”, comemora Maria.
Atualmente a Maria trabalha na Secretaria de Educação do município de Açailândia. Quem a vê hoje ocupando salas de aula, lançando seu primeiro livro e indo em muitos lugares da região, não imagina como ela deu seus primeiros passos na Pedagogia.
Seu primeiro contato com a docência foi na infância, quando acompanhava sua mãe Maria Rodrigues para as aulas de Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Eu e minha irmã sempre íamos para a escola à noite. Lá, nós ficamos como ajudantes da professora”, relata Maria. Ela ajudava a mãe nas tarefas e as amigas dela que tinham dificuldade em ler.
Aos 19 anos, Maria perdeu a mãe e foi morar com sua cunhada, Marta Gomes, em Goiás. Marta era professora e Maria a acompanhava para a escola todos os dias. “Enquanto ela estava na sala de aula, eu estava com o bebê Geiel [sobrinho]. Só que em alguns momentos ela precisava amamentar. Então ela saía da sala de aula e eu entrava”, conta Maria.
Nesses intervalos, Maria ficava na secretaria da escola, onde havia muitos livros. Ela sempre gostou de mexer com livros e aos poucos começou a se envolver com as atividades da escola. “Começaram a surgir atividades, fazer uma atividade de coreografia com as crianças, fazer uma educação física, uma recreação com as crianças. E aí surgiu essa oportunidade de pegar uma turma de maternal”, lembra Maria.
Após dois anos em Goiás, Maria retornou para Imperatriz e decidiu fazer o magistério. Ela gostou da experiência de estar em sala de aula e queria se tornar professora. “Fiz o magistério e logo que eu concluí, ainda durante o magistério eu consegui emprego em uma creche”, relata Maria.
Ela começou a trabalhar como auxiliar em uma creche e, ao mesmo tempo, cursava pedagogia na UFMA. “Nesse meio tempo eu fiquei fazendo concursos, porque nesse período, entre 2005 que eu entrei pra cursar Pedagogia e 2010 que eu terminei, ainda tinha a possibilidade de fazer concursos para séries iniciais e educação infantil, só com o magistério”, explica Maria.
Existem estudos que comprovam que, ainda na infância, começamos a desenvolver traços do que será nossa profissão no futuro. Maria dos Reis teve, mesmo que de maneira informal, um ambiente que ampliou sua visão e despertou seu desejo de ser professora – apesar dos desafios e caminhos difíceis que enfrentou ao longo da trajetória.
Em sua dissertação de mestrado, Maria mergulhou em sua própria história, resgatando suas origens, traços e ancestralidade. Esse processo culminou no lançamento de seu primeiro livro, “A Professora Marrom”, em 2023. A obra ganhou um significado ainda mais especial porque contou com ilustrações feitas por crianças de Açailândia, da Escola Municipal Gastão Vieira, que também receberam exemplares do livro. Inicialmente, Maria não tinha a intenção de comercializá-lo, mas, ao ver o impacto que ele causava, decidiu compartilhá-lo com mais pessoas. Logo, surgiram pedidos pela obra e convites para que ela fosse às escolas conversar com as crianças sobre o livro e sobre racismo.
“Tenho ficado muito feliz em ver como as crianças negras se sentem representadas pelo livro e como já têm uma compreensão do que é o racismo”, afirma Maria.
Entre seus planos para o futuro, ela deseja realizar novas edições da obra para que mais pessoas tenham acesso a essa leitura transformadora. Além disso, pretende buscar financiamento para tornar o livro mais acessível, já que o valor de R$ 50,00 ainda está fora do alcance de muitas famílias.
Maria dos Reis é uma professora que faz da literatura uma poderosa ferramenta de combate ao racismo na escola. Seu trabalho é uma inspiração para todos os educadores que desejam transformar a vida de seus alunos e promover uma educação mais justa e representativa.
Jornalista especializada em Assessoria de Comunicação Organizacional e Institucional. Já vivenciou experiências profissionais nas áreas de publicidade e propaganda, produção de documentários, radiojornalismo, assessoria política, repórter do site jornal Correio de Imperatriz e social mídia. Boa parte de suas experiências profissionais foram em assessorias de comunicação institucional de ONGs, com ativismo social voltado para a defesa de direitos humanos, justiça socioambiental e expansão da agroecologia na região do bico do Papagaio; esses trabalhos ocorreram nas cidades de Açailândia, Imperatriz (MA) e Augustinópolis (TO).