Larissa Santos: Defensora de Direitos Humanos e da Natureza
Larissa Santos. Ilustração: Idayane Ferreira

Antes de iniciar este perfil propriamente dito, preciso contar uma coisa: a mulher que vou retratar no Dias Mulheres Virão de hoje, além de ser alguém por quem tenho imensa admiração, faz parte da minha formação profissional. Quando estava nos primeiros anos de graduação no curso de Jornalismo precisei fazer uma entrevista para a disciplina de gêneros jornalísticos e ela foi a pessoa escolhida. Na época eu queria saber como era ser jornalista no terceiro setor e já conhecia um pouco da entidade onde ela trabalha, tínhamos amigos em comum então o primeiro contato foi fácil. Por uma questão de agenda, não consegui fazer a entrevista pessoalmente e precisei enviar as perguntas por e-mail, ao qual ela respondeu de pronto. Fiquei admirada com o fato das respostas terem sido fluídas e parecerem mais com uma conversa e menos um texto escrito. Cheguei a comentar isso quando a encontrei pessoalmente na universidade para fazer mais perguntas e tirar uma foto dela, materiais que eram exigidos pela professora da disciplina de gêneros jornalísticos para a atividade do gênero entrevista. Não lembro se o trabalho rendeu uma nota boa ou não, entretanto, fez uma diferença enorme para a estudante que eu fui e para a profissional que me tornei. Ela esteve presente quando fiz meu trabalho de conclusão de curso [uma revista de jornalismo científico para o grupo PET Conexões de Saberes] e foi minha professora em uma disciplina da especialização. Trabalhamos juntas por alguns anos na Justiça nos Trilhos. Além disso, foi uma das convidadas para participar da live do Portal Assobiar, quando lançamos a primeira versão, em agosto de 2020. Ela, assim como eu, é leitora da Clarice Lispector e também já quis ser escritora. Em nossa conversa on-line para este perfil, foi engraçado notar que já havia passado exatos 10 anos da primeira entrevista. Pode ser coincidência ou não, mas ela foi a primeira pessoa que pensei em retratar no meu primeiro texto para esta editoria: Larissa Santos!

Larissa Pereira Santos, 32 anos, é coordenadora política e vice-presidenta da Associação Justiça nos Trilhos, entidade que atua em prol de comunidades impactadas pelo setor de siderurgia e mineração no chamado Corredor Carajás (território atravessado pela Estrada de Ferro Carajás que abarca munícipios do Pará e do Maranhão). Formada em jornalismo e geografia, ela percebeu desde muito cedo que a educação é uma ferramenta de transformação social.

Nasceu no município maranhense de Santo Antônio dos Lopes e reside em Imperatriz há 20 anos. Quinta filha da dona Maria de Fátima Pereira Santos (descendente de indígenas) e do seu João Bento dos Santos (descendente do povo de África), ressalta sua identidade e sua posição de caçula: “Então, tenho essas duas descendências correndo no meu sangue com muita honra e é isso, sou caçula de cinco filhos de Maria e João”. A família tem e sempre teve papel fundamental na vida da Larissa, principalmente de fortaleza e acolhimento. 

Ela atua na Justiça nos Trilhos a pelo menos 10 anos, e já exerceu diferentes funções: jornalista, educadora popular e agora coordenadora. Sua militância social teve início ainda durante o ensino médio quando ela se envolveu nas pautas estudantis e nos debates sobre os grêmios estudantis, momento em que começou, em suas próprias palavras, “a ter consciência de que a educação tá para além das fronteiras dos muros do prédio da instituição educacional”. Foi aí que entendeu que o engajamento político dos estudantes significa o compromisso com a qualidade da educação que é oferecida.

Se o ensino médio despertou nela a consciência política, na graduação desenvolveu ainda mais seu senso crítico. Ela sempre estudou em escola pública, fez as duas graduações também em universidades públicas, quando ainda era permitido, por lei, fazer mais de uma graduação em universidades públicas ao mesmo tempo. Durante sua estadia na Universidade Federal do Maranhão de Imperatriz, no curso de Jornalismo, fez parte de programas de fortalecimento da permanência de estudantes de origem popular na universidade, como o Programa Conexões de Saberes (que mais tarde foi agregado a outro programa e se tornou o Programa de Educação Tutorial – PET Conexões de Saberes de Imperatriz).

O Conexão de Saberes representou também um divisor de águas na vida da Larissa. Foi nesse grupo que ela fez sua iniciação científica. Tendo como tríade o ensino, a pesquisa e a extensão, o programa tinha por objetivo propiciar bolsas de estudos para estudantes que vinham das periferias de Imperatriz e que tinham poucas condições de arcar com suas despesas econômicas no curso. Se tratava de um grupo formado por estudantes de diferentes cursos e que desenvolvia suas ações, sobretudo, em bairros mais periféricos da cidade, onde o índice de desenvolvimento humano era baixo e os índices de violência, altos. “Daí também, já comecei a ter uma ideia de como a universidade pode contribuir com a defesa dos direitos das pessoas. Seja produzindo conhecimento, seja construindo enfim caminhos alternativos juntos dessas pessoas. Então foi muito interessante”, explica.

As temáticas socioambientais vieram com a entrada no curso de licenciatura em Geografia, na Universidade Estadual do Maranhão (atual Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão, Uemasul). No curso ela passou a entender melhor sobre a região, politica, cultural e ambientalmente e desenvolveu uma pesquisa sobre pessoas que moram em áreas de risco, onde são desenvolvidos projetos do governo federal. Assim, no contexto das duas áreas (jornalismo e geografia), Larissa acabou por conhecer o trabalho da Justiça nos Trilhos, uma organização que teve início em 2007, como uma campanha de comunicação em defesa de comunidades que tem seus direitos violados pelas operações das siderúrgicas e da mineradora Vale no Pará e no Maranhão.

Em 2012, sempre atuando em rede com outras organizações e movimentos sociais e já organizada enquanto entidade, a Justiça nos Trilhos abriu processo seletivo para a vaga de jornalista. Larissa, então recém-formada, foi a pessoa selecionada e o trabalho na organização acabava por atender anseios pessoais e profissionais: juntar dinheiro para fazer mestrado e atuar em uma causa que não fosse a das empresas tradicionais, que visam, sobretudo, o lucro.

Sobre a experiência de trabalho na Justiça nos Trilhos, Larissa pontua: “Acabei mudando muito a minha vida, porque desde o início foi uma experiência muito forte para mim. Eu me aventurei e entrei de fato com todas as minhas forças e comecei a aprender o movimento que a Justiça nos Trilhos faz desde 2012. Ela [Justiça nos Trilhos] era ainda muito novinha, estava aprendendo a fazer muitas coisas também, mas já tinha uma experiência interessante e importante na defesa dos direitos das comunidades afetadas pela mineração, especialmente no Maranhão. Não existia outra organização como a Justiça nos Trilhos e não existe ainda no estado do Maranhão.”

O primeiro desafio enquanto jornalista, sobretudo como comunicadora popular, foi se inteirar sobre a complexidade tanto do modelo mineral do país quanto do trabalho da própria Justiça nos Trilhos. A escuta atenta das comunidades, o intercâmbio com outras pessoas da própria organização e também de movimentos sociais sempre foram sua fonte de inspiração para superar as dificuldades que é denunciar as violações de direitos humanos em nosso país. Ao longo dos anos, a Larissa sempre manteve vínculo com a entidade e com as pautas ambientais e sociais, mesmo quando precisou se mudar para fazer mestrado na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, onde claro, o tema de pesquisa estava relacionado com a organização e as comunidades.

Embora atue profissionalmente numa organização de direitos humanos há uma década, só recentemente a Larissa passou a se identificar também como uma defensora de direitos humanos. Antes ela achava que esse titulo devia ser dada apenas as pessoas das comunidades que diariamente tem atuado em prol da coletividade e da preservação da natureza. Atualmente, entende que a militância também perpassa por um lugar de experiência. “Eu me tornei militante nesse processo e se contar até aqui já são mais de 10 anos e continuo sendo uma militante em aprendizagem, digamos assim, porque eu acho que os maiores militantes são as pessoas que a gente defende, estão nas comunidades. Mas a gente precisa também se apropriar dessa noção de que nós somos defensores dos direitos humanos.”

Enquanto fala, a Larissa conduz a interlocutora (no caso, eu) pela sua linha de raciocínio de maneira fluida, ágil. Entretanto, quando pergunto no que acredita e por que luta pelos direitos de pessoas que são impactadas pela mineração, percebo ter atingido um ponto crucial,  do qual ainda não havia refletido. Ela balbucia surpresa e sorridente e então responde “eu acho que, enfim, a defesa dos direitos humanos é igual amor, a gente explica fazendo. A gente não explica falando, então é bem difícil de falar. Mas eu acho que é isso: porque a gente acredita de fato que as coisas podem ser melhores e que as pessoas podem ter os seus direitos respeitados e que o mundo pode ser mais saudável e que a mãe natureza pode ser preservada, a gente continua lutando.”

Idayane Ferreira
Idayane Ferreira

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