Sônia Guajajara: Líder indígena e Ministra dos Povos Indígenas

“Os povos indígenas e o meio ambiente estão sendo brutalmente atacados. Não existe plano B, essa é a mãe de todas as lutas, é a luta pela mãe Terra. Demarcação, já!” (Sônia Guajajara em discurso durante show da cantora Alícia Keys, no Rock in Rio de 2017).

Sônia Guajajara. Ilustração: Idayane Ferreira.

Entre os diversos motivos pelos quais escolhi começar os perfis de 2024 falando sobre a Sônia Guajajara, destaca-se o fato de que, até realizar as pesquisas e leituras para a escrita deste texto, conhecia pouco sobre sua trajetória. Apesar de tê-la acompanhado com satisfação durante as eleições de 2018, quando era candidata a vice-presidente na chapa encabeçada por Guilherme Boulos, não tinha dimensão completa de sua atuação na linha de frente contra ameaças aos direitos indígenas e ao meio ambiente. Mulher, maranhense, mãe e ativista incansável, Sônia Guajajara foi eleita uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela Revista Time em 2022. Além disso, conquistou o feito de ser a primeira indígena a chefiar o recém-criado Ministério dos Povos Originários no Governo Lula III. Enxerguei, no exercício mensal de escrever sobre mulheres, a oportunidade de estudar, aprender mais e reforçar minha genuína admiração por essa conterrânea, apresentando-a aos leitores do Portal Assobiar.

Sônia Bone de Sousa Silva Santos nasceu no dia 6 de março de 1974, na Terra Indígena (TI) Araribóia. O território abrange os municípios maranhenses de Arame, Buriticupu, Amarante do Maranhão, Bom Jesus das Selvas e Santa Luzia, no sul do estado, na área de transição entre o Cerrado e a Amazônia. Sônia é do povo Guajajara/Tentehar, filha de pais analfabetos, a segunda entre oito irmãos, ela cresceu ajudando na colheita e produção de farinha. Gostava de conhecer o mundo por meio dos livros e tinha certeza de que não se casaria moça, como ainda é comum nas aldeias.

Sua determinação em contribuir para seu povo a levou a sair aos 10 anos para estudar em Imperatriz, onde trabalhou em casas de família em troca de moradia. Aos 15, contrariando a vontade dos seus pais, partiu para Belo Horizonte, em cima de um caminhão da Funai (Fundação Nacional dos povos Indígenas) buscando educação e oportunidades para cursar o ensino médio em um internato. Formou-se em Letras e Enfermagem pela Universidade Estadual do Maranhão e fez pós-graduação em Educação Especial.

Carinhosamente chamada de “Soninha, a Sônia Guajajara é mãe de três filhos vivos: Yaponã, Mahkai e Ywara. Infelizmente, perdeu sua filha Itaniara aos 2 anos devido a uma epidemia de hepatite em 1998, época sem vacina disponível. Foi casada por 18 anos com Lindomir, pai de seus filhos. Em uma entrevista para Marie Claire, em 2018, ela compartilhou suas experiências, falou sobre suas origens e abordou a conjuntura política no Brasil, destacando a dor da perda irreparável de sua filha. “Eu queria ter mais uma filha, se soubesse que seria mulher, arriscaria. Perdi uma aos 2 anos, Itaniara morreu de hepatite, foi uma epidemia que deu em 1998, houve muitas mortes na aldeia em que eu morava com ela. Nesse período, ainda não tinha vacina. Esse sentimento de perda ninguém consegue entender nem explicar, é uma sensação de um vazio muito grande”.

Sônia explicou que decidiu ingressar na militância, aos 20 e poucos anos, consciente da necessidade de mudar a realidade de sua aldeia, mas também por se sentir incomodada com a perspectiva que a sociedade tem em relação aos indígenas.  “Percebi desde sempre que os indígenas nunca foram valorizados dentro do próprio país. Perguntas como: ‘Você é índio ou é civilizado?’ são ouvidas até hoje, uma ignorância por parte da sociedade. […] Me incomodava também o fato de morar na aldeia e não fazer nada para mudar a realidade de lá. Nessa época, era formada em técnica de enfermagem e trabalhava para a Funai. Ficava esperando as pessoas ficarem doentes para virem até mim na aldeia, mas me dei conta de que precisava evitar que elas adoecessem […]”.

Ela destacou também a falta de conhecimento sobre os indígenas no Brasil e a visão predominante exploratória em relação às terras. “É assustadora a quantidade de pessoas que não sabe da existência do índio no Brasil. Quando sabem, poucos conseguem entender os povos. Muitos acham que não sou mais índia porque moro na cidade. Ou, olham para quem vive nas aldeias e pensam que aquele modo de vida é ultrapassado, só veem as terras no sentido da exploração, do capitalismo. Também acham que só tem indígena na Amazônia, mas estamos em todas as regiões do Brasil. Somos 305 povos e falamos 274 línguas”.

Ao participar do primeiro Encontro Nacional dos Povos Indígenas, em Brasília, em 2001, Sônia percebeu que a luta pela garantia da terra era uma jornada longa, onde o direito territorial existia, mas não se concretizava na prática. “A bandeira de luta prioritária ainda é a regularização dos territórios. Por que ninguém tem interesse em fazer as demarcações das terras indígenas? Porque quase todas estão em áreas onde o governo precisaria enfrentar os setores empresarial, imobiliário, o agronegócio. São todos aliados e têm acordos políticos e econômicos. Ninguém pensa na contribuição que os indígenas dão, por exemplo, para o equilíbrio climático. Ficam buscando tecnologias inovadoras para evitar a emissão de gás carbônico, mas a proteção e a gestão feitas pelos próprios indígenas têm muito mais valor”.

Sônia conquistou espaço na militância indígena e ganhou visibilidade nacional em 2009, quando foi eleita vice-coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Além da COIAB, atuou em várias organizações indígenas, como a Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão (Coapima), e na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Em 2010, protestou contra alterações no Código Florestal entregando o “Prêmio Motosserra de Ouro” para Kátia Abreu,  à época ministra da Agricultura. Em 2015, recebeu a Medalha da Ordem do Mérito Cultural (OMC), maior honraria pública do Ministério da Cultura. Por seus ativismo em prol dos direitos humanos foi agraciada pelo Centro de Promoção da Cidadania e Defesa dos Direitos Humanos Padre Josimo com a Medalha 18 de Janeiro. Recebeu também Medalha de Honra ao Mérito do Governo do Estado do Maranhão, pela grande articulação com os órgãos governamentais no período das queimadas na Terra Indígena Araribóia.

Reconhecida também internacionalmente, se destacou pelas suas denúncias no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), no Parlamento Europeu e nas COPs (Conferências das Partes da Convenção do Clima) entre 2009 e 2021 evidenciando sua dedicação global.  Em 2017, a cantora Alicia Keys a convidou para discursar em defesa da Amazônia, durante show no Rock in Rio, resultando na revogação do decreto 342, que extinguia a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca),  uma área da floresta entre os Estados do Amapá e do Pará. Foi incluída na lista das 100 pessoas mais influentes da revista Time por sua luta contra ameaças aos direitos indígenas e reconhecida pela BBC como uma das 100 mulheres mais inspiradoras em 2023.

Em 2018, Sônia aceitou o convite de Guilherme Boulos para ser a primeira mulher indígena a concorrer como vice-presidente nas eleições pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). Anteriormente vinculada ao PT devido a afinidades com questões como reforma agrária e cooperativismo, ela deixou o partido em 2010 por conta das alianças estaduais com o PMDB e o DEM e se filiou ao PSOL. “Com o reconhecimento do meu trabalho, fizeram o convite para a pré-candidatura da vice-presidência. Foi surpreendente. Embora os povos indígenas sempre tenham lutado para estar na pauta, não tinha essa demanda de uma chapa presidencial. Aceitei o convite como uma missão, não poderia negar uma oportunidade dessas. Nunca tive medo de enfrentar as coisas. Independentemente do resultado, sou a primeira mulher indígena a compor uma chapa majoritária. Isso já é um protagonismo”.

Sônia também teve uma forte atuação durante a pandemia de Covid-19. Em 2022, foi eleita como a primeira deputada federal por São Paulo, com mais de 150 mil votos válidos. Fez parte da equipe de transição do terceiro governo Lula, tornando-se a primeira ministra dos Povos Indígenas do Brasil. Sua nomeação representou não apenas a entrada na esfera ministerial, mas também um avanço histórico ao ser a primeira indígena a assumir tal posição. Durante a cerimônia de posse, Sônia homenageou o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista Dom Phillips, ambos assassinados em uma expedição na região amazônica, ressaltando a coragem deles.

Para encerrar este perfil, trago um trecho da entrevista à Marie Claire. Quando perguntada sobre sua religião, ela respondeu: Nós, Guajajaras, acreditamos na força dos encantados e da natureza. Tem um fenômeno da natureza que nos orienta, Maíra. Maíra é o deus dos Guajajara, que não é representado por um ser superior, mas expresso nos elementos da natureza. Na floresta, na água, na terra. Invocamos os maíras por meio do canto. Não pensamos em um deus que castiga, que está ali para punir.

A partir da força e sabedoria transmitidas pelos encantados, Sônia Guajajara não apenas escreve sua própria história, mas também abre caminho para um futuro mais inclusivo e respeitoso com os povos originários do Brasil. Sua liderança destaca-se não apenas por sua origem, mas pela visão e compromisso com a justiça social e ambiental.

Idayane Ferreira

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