Estive relendo os primeiros perfis de mulheres que escrevi para a editoria “Dias Mulheres Virão” e notei algo, no mínimo, curioso. Em pelo menos duas ocasiões, comecei o texto com a frase “Antes de iniciar este perfil” e depois contei um pouco de como havia chegado à mulher que iria perfilar. Gostaria de utilizar esse mesmo recurso aqui e explicar como chegamos à Kátia Rocha.
No início de abril, em nossas empreitadas para levantar recursos para a produção do nosso primeiro podcast narrativo, trocamos algumas ideias com uma colega jornalista que é uma primorosa assessora de comunicação. Ela disse algo como: “Tenho uma amiga que vai palestrar no EMME (Encontro Maranhense de Mulheres Empreendedoras). Ela é Imperatrizense, atualmente mora em São Paulo e sempre volta para Imperatriz para contribuir com a cidade. Se vocês quiserem, posso fazer a ponte para uma entrevista com ela.”
Dias depois dessa conversa, lá estava a Daniela Souza, no Pátio Design, para entrevistar a Kátia. Além da entrevista, nossa colega assessora também conseguiu que o Portal Assobiar participasse do EMME, que aconteceria dias depois daquele encontro. O evento reuniu mais de mil mulheres empreendedoras de todo o Maranhão, e entre elas estava a Daniela, representando o Assobiar. A palavra que mais ouvi sobre a entrevista e o evento foi: encantamento. O que tem tudo a ver com a mulher da qual vamos falar agora.
Kátia Rocha saiu de Imperatriz aos 15 anos para estudar em São Paulo. Lá, ela finalizou o segundo grau e cursou Enfermagem. Atuou como enfermeira por 10 anos, sendo que quatro deles foram na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Apesar de gostar muito do seu trabalho e fazê-lo por amor, ela começou a se sentir infeliz. “Sabe a história do Patinho Feio? Eu me sentia o Patinho Feio ali dentro daquela equipe, e eu comecei a achar que tinha problemas, que eu tinha um problema comigo, porque não conseguia seguir as regras da instituição, não conseguia me adaptar, não era tão bem-sucedida quanto as outras pessoas, não conseguia uma promoção. Então, comecei a sofrer muito achando que tinha algum problema, de não me adaptar às regras do hospital. Eu era considerada uma pessoa meio rebelde lá dentro, entendeu? Porque eu pensava e a instituição quer que você trabalhe para alguém, nem todos te dão a liberdade de pensar.”
Essa certa rebeldia e inquietação tinham nome. Era o que ela define como o “bichinho do empreendedorismo”. Aos poucos, o “querer empreender” começou a tomar conta da Kátia e a se infiltrar em seus pensamentos. O trabalho no hospital passou a gerar sofrimento, e ela entendeu que era resultado de não se sentir alinhada ao que realmente gostaria de fazer. “Eu sei hoje que não existe alinhamento entre o que nasci para fazer e o que fazia. Meu corpo e minha alma, durante um tempo, aceitaram esse desalinhamento, só que chegou um momento em que minha alma começou a sofrer, porque comecei a ter que me moldar àquela instituição, a me adaptar, e isso foi matando minha essência.”
O jeito mesmo foi se deixar morder pelo bichinho do empreendedorismo. Mas no começo foi difícil. “Eu tinha, sim, o espírito empreendedor, mas não tinha o conhecimento das ferramentas. A gente erra muito no início, e quando comecei a aprender, a primeira coisa que pensei foi: eu quero empreender, mas não quero trocar meu tempo por dinheiro sem escalabilidade. Eu queria escala. Queria crescer mais rápido e comecei a ver que as pessoas faziam sempre as mesmas coisas. E eu sempre fui uma pessoa muito curiosa, muito questionadora, muito teimosa. Tipo São Tomé, a pessoa fala uma coisa, mas eu tenho que ver para crer.”
Segundo a Kátia, empreender é mais do que abrir um negócio, envolve autoconhecimento, autodescoberta e ela passou cinco anos descobrindo o que queria ser. Foi estudar design de interiores, depois montou sua primeira empresa, a KR Studio, mas sem, contudo, largar a Enfermagem. Foi corretora, síndica e trabalhou com outras tantas coisas. “Foi um período de muita indagação. Em que que eu era boa? Eu achava que eu só podia ser enfermeira. Quando eu fiz o curso de design foi uma dificuldade absurda, porque minha cabeça foi moldada para enxergar as coisas de maneira metódica, quadrada, eu nunca tinha exercido a visão 360, então o design de interiores me ajudou a ter essa visão, que na realidade eu já tinha desde criança.”
Manoel de Barros, o poetinha da natureza e das coisas simples, escreveu certa vez: ” [Que] a importância de uma coisa não se mede com fita métrica, nem com balanças, nem barômetros, etc. [Que] a importância de uma coisa deve ser medida pelo encantamento que a coisa produz em nós.” E produzir encantamento é o que Kátia faz profissionalmente, não só pelo financeiro, mas como projeto de vida. Ela é uma encantadora de marcas.
E o que seria isso, afinal? “Eu descobri que o encantamento é a pedra angular de todo empreendimento, porque está relacionado à conexão humana. Os negócios são tratados de pessoas para pessoas, e às vezes esquecemos disso quando criamos uma marca. Focamos nos elementos, nas ferramentas, no operacional e esquecemos que estamos lidando com outros seres humanos que têm necessidades, temores e desejos. O encantamento é isso: é você ensinar a se conectar como marca com as pessoas, ao ponto de elas te desejarem como melhor amigo.”
Kátia criou a Afeta Consultoria, onde utiliza métodos baseados em Neurociência, ferramentas de Programação Neurolinguística (PNL) e sua experiência na área de design de interiores para realizar consultoria e treinamentos para empresas.
A neurociência é um campo científico que, entre outros assuntos, busca entender como o sistema nervoso do cérebro influencia o funcionamento do corpo, dos pensamentos, das necessidades, dos desejos, dos comportamentos e das emoções. Já a Programação Neurolinguística é uma técnica que estuda os processos e as organizações mentais para entender os comportamentos, as configurações mentais (mindset) e as ações individuais.
Ela explica que presta consultoria para pouquíssimas pessoas, uma vez que é um processo demorado, que leva seis meses e deve envolver ativamente o dono ou a dona da empresa contratante. Além disso, é necessário haver o alinhamento de valores: “Eu quero clientes que acreditem no que eu acredito, que tenham valores similares, que gostem do meu jeito, do meu perfil, que se conectem com o que eu me conecto. Se não for assim, não dá certo.”
Kátia olha como carinho para a sua trajetória e entende que todas as dificuldades por qual passou ajudaram a desenvolver as ferramentas, as competências e habilidades que precisava para a empresa de hoje. Casada e com filhos, ela se define como “uma pessoa hoje muito segura do que eu quero, uma pessoa que descobriu a sua verdadeira missão, o verdadeiro propósito, uma pessoa livre, uma pessoa alegre, bem humorada, otimista, super teimosa, persistente. Hoje eu conheço os meus pontos fortes e também consegui identificar as minhas fragilidades e não temer essa fragilidade.”
Bom, a Daniela me contou que a Kátia Rocha é excepcionalmente encantadora também.