Flávia Bittencourt é cantora, compositora, atriz e mãe. Cursou a faculdade de música na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e cursou cinema na “Susan Batson Studio” em Nova York. Já se apresentou em várias cidades do Brasil, Europa (Paris, Toulouse, Nice, Toulon, Marseille, Lisboa, Roma e Bruxelas), Estados Unidos (Nova York) e África (Luanda).
Seu álbum de estreia “Sentido” (lançado pela Som Livre), enaltece a musicalidade nordestina e canções originais, lançadas em 2005. Com ele foi pré-selecionada para o Grammy Latino e para o Prêmio Tim de Música. A faixa “Terra de Noel”, gravada por Flávia, do compositor maranhense Josias Sobrinho, foi incluída na trilha-sonora da novela América da TV Globo.
A artista maranhense está de volta aos palcos do país e pela primeira vez concede entrevista ao Portal Assobiar, para editoria ‘Dias Mulheres Virão’. Nos recebeu com a música “Escavucando o nada”, de seu novo single ‘Volitar’, de composição de Carlinhos Brown. Dona de uma carreira que acumula experiência com grandes nomes da Música Popular Brasileira e nordestina, a musicista, multi artista viu seu dom musical ganhar forma aos 5 anos de idade quando entrou numa loja de brinquedos e pediu ao pai um piano de presente.
Por ser uma criança tímida e introvertida, de poucos amigos, Flávia ganhou não só o piano, como fez do “brinquedo” um companheiro para dar evasão a sua criatividade e imaginação. Aos domingos ouvia sem parar a trilha sonora das vitórias do piloto Ayrton Senna por influência do pai.
“Essa história é o meu pai que conta e eu tive realmente esse piano, até a pré-adolescência. era o meu companheiro, digamos assim. Eu não tinha muitos amigos, era uma criança tímida, e a música ela fez esse papel de uma forma lindíssima, e ainda me deu uma carreira”, relembra Flávia.
A trilha das vitórias de Ayrton Senna ficou famosa principalmente quando o piloto competia. Sua família escutava várias e várias vezes e, aos poucos, Flávia conseguiu tocar a trilha no piano. “Eu lembro de tirá-la [melodia] de ouvido. Depois disso, eu entrei na escola de música e lá tinha um professor, e ele virou diretor dessa escola e me perguntou se eu gostaria de estudar na Escola de Música e topei. Isso me fez aprofundar mais na teoria musical”.
Já na escola de música, Flávia começa a tocar violão e seu talento musical se amplifica ao receber um convite inusitado: de compor uma música para o espetáculo teatral da escola. “Maria, Marista a arte de amar…”, cantou um trechinho durante a entrevista e garante que antes disso não tinha imaginado de compor nenhuma canção.
“A escola estimulava a criatividade das crianças e aí nesse certame eu fui convocada para compor uma canção. Porque o Bruno Batista, meu colega nessa escola, se ‘emburrou’ [ficou chateado] naquele ano e não quis compor e viraram pra mim e falaram ‘Bom, a outra musicista que temos é a Flávia’. Foi muito difícil porque foi a minha primeira composição da minha vida e eu falava ‘gente, eu sou cantora, não sou compositora’. Mas acabei compondo, e nessa época eu cantava nas rodinhas de amigos, apesar da timidez, mas eu já estava no segundo ano de aprendizado e tinha sentido pra mim tudo aquilo’”.
Flávia nasceu em São Luís na Rua Céu, localizada no então bairro Vila Palmeira. Questionei sobre por que em suas canções enaltece e valoriza a cultura maranhense, apesar de ter estudado música em São Paulo.
“Desde pequena, como eu te falei, com 5 anos, a cultura vivida nessa rua reverberou na minha vontade – e fui me envolvendo – com o desejo de conhecer os artistas da minha terra. Eu fui criada no bairro do Centro da cidade com a música e a consequência disso me levou a curiosidade e a vontade de conhecer os artistas da minha terra e a musicalidade à minha volta. Na época de São João a gente brincava na rua e os grupos passavam lá. Era uns grupos de bumba meu boi e tambor de crioula. Tinha quadrilhas e a gente brincava, e a rua era cheia de bandeirinhas. Então faz parte da minha vida, né? E consequentemente da minha história musical, seria um trajeto contrário se eu não tivesse nenhuma pitada daquilo que eu vivi a minha vida toda”.
Algo marcante na carreira de Flávia são as inúmeras parcerias com grandes nomes da Música Popular Brasileira (MPB). Segundo ela, os contatos musicais se deram de forma natural, quando aos 19 anos decide ir para São Paulo em busca de consolidar uma carreira musical.
“Inclusive foi uma semente o primeiro trabalho que eu lancei lá no Sesc Pompeia, em São Paulo. De lá pra cá eu não paro mais. Foi lançado pela Som Livre o primeiro trabalho. Depois lancei o disco ‘Todos Domingos’ que são com composições de Dominguinhos e depois veio o disco mais autoral com participação de Zeca Baleiro, e uma música inédita de Luiz Melodia, que compôs pra mim.”
Dominguinhos foi um dos grandes incentivadores da carreira da artista e ela revela que o disco ‘Todos Domingos’ foi uma curadoria do próprio Dominguinhos. “Ele me ajudou a escolher as músicas que seriam regravadas. E o primeiro álbum tem participação do Dominguinhos”, explica.
Nessa sua volta aos palcos do país, Flávia apresenta o single ‘Volitar’ pela Candyall Music, gravadora de Carlinhos Brown. “Inclusive, a música que abre esse perfil é desse mesmo single”, ressalta.
Momentos marcantes
“O que mais me marcou é difícil eu te dizer. O próprio Dominguinhos, o Luiz Melodia foram peças fundamentais, também Cesar Texeira e José Sobrinho me ajudaram bem no iniciozinho. Chico Maranhão me chamava pra cantar uma composição dele difícil pra caramba! uma melodia toda torta, eu falei ‘meu Deus do céu, como é que eu vou cantar e decorar essa melodia?’. E aí ele postou outro dia no YouTube essa música. Melodia super troncha assim, sabe? E aí eu sei que foi um aprendizado maravilhoso, porque realmente aprender aquela melodia deu um trabalho danado”.
Ela pontua que foi uma escola musical conviver com essas referências da MPB. “Esses caras me estenderam a mão a troco de nada. Então eu sou muito agradecida ao Chico Maranhão e Cesar Teixeira, José Sobrinho que logo no meu primeiro show escreveram um poema, me incentivando. Nos primeiros shows fizemos um livrinho com o repertório, e tinha uns poemas deles.”
Flávia também fez alguns espetáculos teatrais. Uma de suas parceiras de palco foi a bailarina Ana Botafogo, algo que ela considera um marco em sua vida artística em que atuava. Ana Botafogo dançava com as demais bailarinas e eu cantava e atuava.
“Fizemos outro espetáculo emocionante. O tema era feminino sobre mulheres que foram importantes na história do Brasil, em que as histórias geraram todas nós. Então foi um trabalho muito importante pra mim. Cantei nesse espetáculo e compus, muito emocionante, mulheres que foram importantes na história do Brasil e pra nós todas.”
A artista retorna a fazer apresentações após sete anos afastada para se dedicar à tarefa de ser mãe. Ela conta suas expectativas para o futuro. “Estou na fase de retomar a minha carreira e voltei para São Luís há 7 anos para ter minha filha. Virei mãe, e eu mergulhei nesse lance de ser mãe e minha filha precisou mais de mim do que eu achava que precisaria. Ela foi diagnosticada como autista, então durante um bom tempo eu realmente mergulhei. Atualmente ela é uma criança super independente.”
Explica ainda que sua filha conseguiu adquirir uma independência, e desenvolveu talento para escrita. “O grande lance da maternidade é também querer que seu filho ande com suas próprias pernas e desejar sua independência. Então eu digo que nesse momento eu estou retomando minha carreira, aos pouquinhos. Tenho focado nos últimos trabalhos e está sendo muito legal. A ideia é a gente lançar esse novo trabalho também. Esse novo projeto dá continuidade às parcerias e vamos fazer as estruturas de lançamentos.”
Inspirações
Quando questionada sobre inspirações, Flávia faz referência às mulheres que lutaram pelo direito das mulheres de poderem votar “algo recente”, relembra. Segundo ela, algumas mulheres não têm essa noção, do exercício da cidadania tão importante concedida a mulheres de forma recente.
“Essas mulheres abriram caminhos para nós. Algumas mulheres hoje em dia não têm essa consciência. Precisamos pensar que muitas mulheres perderam a vida por muitos direitos que temos hoje ”. Para ela, a própria Ana Botafogo é um exemplo de mulher que lhe inspira e que teve a honra de trabalhar.
Nova parceria
Em 2022 Flávia lançou um clipe junto com a Junina Matutos do Rei. Curiosamente, perguntei para Flávia como se deu essa junção. Eles se conheceram no bloco de Carnaval da Flávia em São Luís em fevereiro deste ano.
“Nesse ano eu trouxe a Maria Gadú para participar do meu bloco e na passagem de som os brincantes da Matutos do Rei estavam lá, parecia até que a gente já se conhecia! Isso foi o nosso primeiro contato. Depois disso a gente continuou conversando pela internet. Até que esse ano o Xico [Cruz] falou: ‘Vem cá, você não quer fazer nada junto não, vem pra cá, vamos fazer alguma coisa. E aí eu fui conhecer. Tinha acabado de chegar de Portugal, eu fui lá em abril, e era a noite de lançamento do tema do espetáculo deste ano chamado ‘Ave Fogo’.”
Ela conta que na noite da festa do tema ela sentiu uma energia muito boa de todo mundo, pessoas lindas e animadas. “Foi maravilhoso! e eu fiquei maravilhada. Depois da festa a gente começou a planejar uma história para gravar um clipe no São João. Quando foi no finalzinho de maio eu voltei e a gente gravou o clipe de uma música do Carlinhos Brown. O clipe ficou lindíssimo, tá muito lindo!”
Confira o clipe:
Flávia se posicionou politicamente nas suas redes sociais durante esse período eleitoral e isso gerou críticas negativas e perda de seguidores no seu instagram. Pedi para ela comentar sobre seu posicionamento e por que isso foi necessário. Ela ressalta que desejamos sempre um país melhor.
“Porque eu tenho uma filha e, como toda mãe, eu desejo que ela viva numa sociedade com menos preconceito racial e que ela tenha liberdade, que ela não tenha medo de sair nas ruas. Não acredito que exista um salvador da pátria, mas existe a possibilidade da gente aos poucos melhorar o país. Então eu acredito que o outro lado seria um regresso muito grande. Uma pessoa que não gosta de pessoas, que não sabe liderar o nosso país, que em suas falas incita violência. É um cara que eu não gostaria que liderasse nem como Síndico do prédio que moro, quem dirá ser presidente da República. Então eu acho importante a gente conversar e debater, e claro, cada um é livre e tem sua consciência, mas os fatos estão aí.”
Como essa entrevista foi concedida no dia 30 de outubro, dia em que ocorreu o segundo turno das eleições para presidente, Flávia falou de seus sonhos enquanto cidadã e artista. “O meu sonho é viver num país mais justo, com administrações sérias. Envolvida por esse dia de hoje, que tenhamos um dia especial e amanhã acordar com Lula presidente. Eu espero também que a gente possa ter mais empatia, um com o outro. Que a gente viva numa sociedade com menos violência. Mais amor e respeito ao diferente, e com respeito com aquilo que a gente quer da nossa vida.”
Flávia vai estar em novembro numa temporada em São Paulo (11 a 20) e em dezembro fará um show na árvore de natal de Niterói, ponto turístico da cidade.
Jornalista especializada em Assessoria de Comunicação Organizacional e Institucional. Já vivenciou experiências profissionais nas áreas de publicidade e propaganda, produção de documentários, radiojornalismo, assessoria política, repórter do site jornal Correio de Imperatriz e social mídia. Boa parte de suas experiências profissionais foram em assessorias de comunicação institucional de ONGs, com ativismo social voltado para a defesa de direitos humanos, justiça socioambiental e expansão da agroecologia na região do bico do Papagaio; esses trabalhos ocorreram nas cidades de Açailândia, Imperatriz (MA) e Augustinópolis (TO).