Dorothy Mae Stang: Missionária e Ativista ambiental

“Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar” (Dorothy Stang).

Irmã Dorothy. Ilustração: Idayane Ferreira

A editoria Dias Mulheres Virão é um espaço para contar histórias de mulheres que fazem a diferença na nossa sociedade, como é o caso da retratada que abre os textos de 2023: Dorothy Mae Stang. Símbolo da luta por reforma agrária e em defesa da floresta, a missionária continua inspirando com seu testemunho e legado. Por sua luta em favor dos camponeses foi assassinada com sete tiros, em fevereiro de 2005, em Anapu (Pará), aos 73 anos de idade.

Para escrever este perfil me dediquei a ler alguns dos vários textos disponíveis na internet e que tratam sobre a irmã Dorothy, assisti também ao documentário “Mataram Irmã Dorothy” (They Killed Sister Dorothy), de 2008. Ao final das leituras e do documentário, não soube bem descrever os meus sentimentos.

É certo que senti angústia, resultado não apenas da morte brutal de Dorothy – que se soma ao enorme e crescente número de assassinatos de defensores e defensoras no nosso país – mais da constatação de que a impunidade impera. Em 2019, o relatório da Human Rights Watch (HRW)  intitulado As Máfias da Floresta Tropical revelou que dos 300 defensores e defensoras assassinados no país na última década, apenas 14 casos haviam sido julgados.

Nosso país lidera uma triste estatística: é o que mais mata ambientalistas no mundo. Segundo balanço da Ong Global Witness, divulgado em 2022, o país registrou 342 mortes de defensores e defensoras entre 2012 e 2021. Mais de 85% dos assassinatos no período aconteceram na Amazônia, região onde irmã Dorothy atuava.

Além disso, passado mais de uma década do assassinato de Dorothy, assistimos a um agravamento da situação. De 2015 a 2019, somente em Anapu (Pará), 23 trabalhadores/as rurais foram mortos/as em contexto de conflitos, segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Por outro lado, senti uma imensa admiração por essa mulher estrangeira que dedicou sua vida por uma causa, que atuou de forma obstinada e incansável pela preservação da natureza e pelos pequenos agricultores – em um país no qual escolheu viver e lutar. Imaginei o Assentamento Esperança – referência na produção sustentável – cercado pela floresta e disputado por gananciosos com interesses econômicos obtusos.

Nascida na cidade de Dayton, Ohio (Estados Unidos), em 7 de junho de 1931, Dorothy Mae Stang viveu mais da metade da sua vida no Brasil, onde se naturalizou. Religiosa católica da Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, chegou em Coroatá, no Maranhão, em 1966. Nos anos de 1970, época da inauguração da rodovia Transamazônica, se instalou na região amazônica do Xingu, onde testemunhou os impactos do projeto de ocupação da Amazônia. O Pará, estado que irmã Dorothy escolheu viver, é campeão em conflitos de terra provocados por grileiros e fazendeiros, e o mais afetado pelo desmatamento.  

No final dos anos de 1990, a religiosa decidiu junto com a comunidade, viabilizar um plano de desenvolvimento sustentável para áreas devolutas em Anapu (Pará), ao mesmo tempo em que denunciava os casos de grilagem e invasões de terra na região.  

A grilagem de terras é um fenômeno comum no Brasil. Ocorre quando um proprietário privado – o grileiro – se apossa das terras públicas sem destinação (terras devolutas) e/ou de terras de terceiros e para isso cria documentos falsos. O termo provém do fato de que esses documentos eram engavetados com grilos, o que dava uma aparência de antigos pelo amarelado que os detritos do animal deixam no papel.

Irmã Dorothy atuava junto aos assentados, em vista da regularização dos assentamentos e desenvolvimento do Projeto, Plano de Desenvolvimento Sustentável – PDS, política pública elaborado pelo governo FHC (Fernando Henrique Cardoso) que incorporava agricultura à preservação da natureza: sem desmatamento ou com o mínimo possível – nunca ultrapassando 20% da área.

Ela foi responsável pela implantação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Esperança (PDS Esperança), modelo de assentamento e gestão que produzia uma fonte segura de renda com a colheita de madeira, sem destruir a floresta. Sua atuação buscava a geração de emprego e renda com projetos de reflorestamento em áreas degradadas.

O modelo do “PDS” representava o oposto do “desenvolvimento” proposto por fazendeiros e latifundiários, que se pautam na exploração desenfreada da natureza como o grande agronegócio pecuário, em que a floresta dá espaço ao gado e ao monocultivo. Desse modo, o trabalho de Dorothy contrariava os interesses de poderosos que disputavam às terras.

Com foco também na solução ou minimização dos conflitos relacionados à terra, a missionária sempre atuava em parcerias e mantinha intensa agenda de diálogo com lideranças camponesas, políticas, religiosas e de movimentos sociais. E era incansável nas denúncias a respeito das invasões e grilagens de terra, percorrendo os órgãos governamentais e da justiça, como a delegacia, o Ibama, o MPF (Ministério Público Federal) e estadual e onde pudesse denunciar os crimes.

Dorothy participava ativamente de movimentos sociais como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade religiosa ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que tem como missão o serviço à causa dos camponeses e trabalhadores rurais do país. Seu trabalho em Anapu (PA) foi conhecido e reconhecido nacional e internacionalmente, recebendo prêmios de muitas organizações. Como por exemplo, a premiação que recebeu, em 2004 – um ano antes de sua morte – da Ordem dos Advogados do Brasil (secção Pará) pela sua luta em defesa dos direitos humanos.

As ameaças contra a sua vida não tardaram  e se intensificaram ao longo dos anos. Essas ameaças eram denunciadas publicamente e nos órgãos de segurança. Chegaram a oferecer proteção à Irmã Dorothy que respondeu só aceitar caso a proteção fosse estendida a todas as famílias assentadas, uma vez que ela não era a única ameaçada. Sua proposta não foi aceita.

Seu assassinato ocorreu a mando de madeireiros e latifundiários da região, no dia 12 de fevereiro de 2005, em uma emboscada. Dorothy caminhava numa estrada do assentamento, para realizar visita as famílias quando foi abordada por dois homens em uma moto. Um desceu de arma na mão, lhe apontou, e ela, segundo o assassino, abriu a bíblia que carregava consigo e leu um trecho que dizia: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão fartos”. A resposta do pistoleiro foi um tiro na cabeça e mais seis pelo corpo.

Após as investigações foram identificados os cinco envolvidos na morte da missionária Dorothy Stang. Os mandantes – dois fazendeiros: Vitalmiro Bastos de Moura (Bida) e Regivaldo Pereira Galvão (Taradão). Além de Amair Feijoli da Cunha, que contratou os pistoleiros Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista.

Devido à repercussão mundial, todos foram julgados e condenados a penas que variam de 17 a 30 anos. Mas a sensação na região é de impunidade, haja vista a demora na execução das sentenças, os recursos a tribunais superiores, habeas corpus e liminares, assim como o cumprimento parcial, devido à aplicação da liberdade condicional.

O legado de Dorothy permanece vivo até hoje, bem como sua luta e justiça pela terra aos pequenos agricultores. O corpo da missionária está enterrado em Anapu, em meio a floresta, próximo ao local da sua morte. Tal como semente plantada em terra fértil, irmã Dorothy continua germinando, sendo um dos símbolos que marcam a luta ambiental no Brasil.

Idayane Ferreira

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