Veganismo popular, político e descolonizador

O veganismo é “coisa de rico” ou eles querem que seja?

E com “eles” eu me refiro ao mercado, ao capitalismo e aos grandes conglomerados de empresas que surfam na onda do “novo nicho de mercado”.

Não quero te decepcionar, porque você talvez vá conhecer pessoas que aderem ao veganismo por questões de saúde, compaixão ou estilo de vida, mas não é esse o propósito do movimento. Ao menos NÃO SÓ esse.

Claro que podemos ter compaixão aos animais, e essa é uma das coisas que nos fortalece na luta, e claro que a saúde é um bônus – comprovado, até! – mas se engana quem acha que é sobre isso a luta vegana. Não existe veganismo descolado da política.

Comer é político. Quando você decide comprar de um pequeno produtor e comer produtos orgânicos ao invés de comprar de uma grande empresa que usa agrotóxicos, você está fazendo uma escolha política. Pode parecer difícil, inicialmente, entender o significado profundo das suas escolhas enquanto ser político, muito disso porque temos pouca ou nenhuma formação política ao longo da vida, principalmente se não pertencemos à classe dominante.

Às vezes é difícil pensar na palavra “vegano” sem relacionar a elitismo e gente chata. “Eu até queria ser vegano, mas é tudo muito caro” é algo que você vai ouvir por aí se levar a conversa para uma roda. Isso e um monte de outras coisas que são senso comum, quase que ideias implantadas tal qual efeito Mandela. Quando produtos veganos são vendidos a preços elevados, só por serem veganos – tecnicamente mais saudáveis e éticos -, uma linha é traçada entre quem pode e quem não pode pagar mais caro naquele produto, e então o veganismo vira “coisa de rico”.

O veganismo de mercado, o nicho, é o primeiro contato que muitas pessoas têm com a discussão, e isso as leva a crer que é sobre isso – comprar produto caro em empórios naturais imitando produtos animais. Mas e se eu te disser que o veganismo tem muito mais a ver com a feirinha do seu bairro do que com o hambúrguer super premium que a Seara lançou, prometendo ser “mais ético e responsável com o planeta”?

Isso tem até um nome e se chama “capitalismo verde”, definido como a ideia de que salvar o planeta através das suas ações (lê-se: compras) é o melhor caminho possível. Para isso tenho uma citação perfeita:

“(…) Quando a cultura capitalista diz ‘salve o planeta’ [ou ‘salve os animais’] de fato ela está dizendo ‘salve a economia’” (CONTRACIV, 2020)

Tratar de maneira acrítica o seu consumo é reforçar as amarras do colonialismo eurocêntrico, o posicionamento despreocupado de combate às opressões. Pensar em veganismo popular, que chega aos corpos marginalizados, é revolucionário.

Talvez a partir de hoje você possa visualizar a comida com novos olhos, e enxergar a potencialidade na comida que não vem numa embalagem verde, prometendo cuidado com o meio-ambiente, sem de fato fazê-lo: o arroz, feijão, mandioca, amendoim e tantos outros ingredientes fartos em nossa terra. Tudo isso tínhamos aqui antes da imposição violenta dos estrangeiros. Não existia vaca e nem galinha – para dar ovos e leite aos humanos – nem era necessário criar animais presos, pois mesmo os caçados e pescados tinham sua existência respeitada. Se livrar da ideia de cultura alimentar imposta é um ato de descolonizar.

A mudança individual faz caminho para a coletiva, e somente através do coletivo podemos fazer transformação.

Para saber mais:

AZEVEDO, Eliane. Manifesto da comida de verdade ou comer como ato político. 2016.

DAVIDSON, Martina. VEGANISMO ENQUANTO IMPORTAÇÃO COLONIAL: UM FENÔMENO DE CONSUMO DO CAPITALISMO. Revista Estudos Libertários, v. 4, n. 9, p. 30-60.

ESTEVE, Esther Vivas. O Negócio da Comida: Quem controla nossa alimentação?. São Paulo: Expressão Popular, 2017. 269 p.

CONTRACIV (2016) Contra o eco-capitalismo. In: Contraciv. Disponível em: < https://contraciv.noblogs.org/contra-o-eco-capitalismo/>.

Dhara Inácio

Paraense apaixonada por um bom tacacá, me aventurando pelo Maranhão. Estudante de Jornalismo, Especismo, Gênero & Raça. Acredito no direito à vida, e o veganismo é consequência disso. Posso te apresentar o lado verde da força?

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