Na semana da Amazônia precisamos pensar em maneiras eficazes de proteger nossas florestas. Mas para isso é necessário entender quem está as atacando.
Este dia da Amazônia (05/09/2022) foi marcado de forma emblemática pela fumaça escura no céu dos diversos estados que fazem parte da Amazônia Legal, um lembrete de que tivemos o pior agosto de queimadas nos últimos 12 anos. De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), foram registrados 3 mil focos de calor diários (queimadas feitas, majoritariamente, pelas mãos dos grileiros de terra, que aproveitam o tempo seco para abrir novas áreas na floresta já desmatada), justo na semana do Dia Internacional da Amazônia. É como ter sua casa queimando no dia do seu aniversário.
A grilagem de terras foi a categoria fundiária que mais derrubou florestas na Amazônia em 2019, de acordo com dados do sistema de alertas de desmatamento do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o Deter. A tendência se manteve para todos os anos seguintes. Mais da metade (51%) da área desmatada na Amazônia desde 2019 corresponde a terras públicas, principalmente as que são de domínio federal (83%), o que confirma que essas terras, que deveriam estar sendo protegidas pelo governo, estão, na prática, sendo cedidas para a grilagem e a pecuária.
O atual presidente da República descreve o Brasil como o “celeiro do mundo” e, mais do que nunca, nos encaixamos nesse título. Florestas viram pastos e monocultura de soja, sob a justificativa de um país desenvolvido e com PIB “estratosférico”. Mas PIB não se come e o “celeiro do mundo” tem mais de 33 milhões de pessoas passando fome.
Atualmente, o Brasil lida com um número expressivo de liberação de gases de efeito estufa (GEE) pela indústria da pecuária, que responde por 27% das emissões no país. Isso se deve à fermentação entérica – o “ruminar do gado” – ou pelo manejo dos dejetos desses animais. Segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), mais de 18% das 2,16 bilhões de toneladas de GEE emitidos em todo o Brasil em 2020 vieram de atividades pecuaristas. Apesar disso, a pecuária, de acordo com o SEEG (2020), é o segundo maior emissor de GEE no Brasil, perdendo apenas para as mudanças no uso da terra e florestas, onde também exerce impacto direto.
A demanda por carne, leite e soja – sendo esta última ração para os animais explorados pela indústria – é o que motiva a grilagem e especulação fundiária em terras públicas, que são desmatadas e queimadas para virar pasto e tornar essas grandes áreas em mais um ponto de pecuária extensiva. Na grilagem a intenção não é manter a terra roubada, mas vendê-la para outra pessoa, assim seguindo em frente para tomar mais terras. Quem compra a terra do grileiro produz nela carne e grãos às custas do desmatamento. O consumidor final (nós brasileiros e todos os demais países para quem o Brasil exporta carne e grãos) não consegue determinar com exatidão de onde vem o bife em seu prato, porque os frigoríficos não são capazes de fazer o rastreio completo de seus rebanhos, apesar de tentarem, o que resulta em uma grande e viciosa cadeia de carne manchada pelo sangue das florestas.
É inegável o fato de que nossa alimentação contribui com desmatamento, queimadas e extermínio de povos originários, quilombolas e pequenos produtores extrativistas. Mesmo adequando a pecuária a um modelo mais sustentável, que não a pecuária extensiva, ainda somos reféns dos GEE e os dejetos desses bilhões de animais que povoam a terra, sob a demanda de produzir carne incessantemente. O veganismo propõe discussões nesse campo há décadas, então por que nada mudou e tantas pessoas ainda não têm informação sobre isso?
Organizações a favor do meio ambiente por muito tempo se mantiveram silenciosas sobre o impacto da pecuária no ecossistema, pois essas são financiadas pelas mesmas empresas da indústria da carne e dos laticínios. Ativistas que tentaram nos alertar sobre os perigos de seguir esse modelo de
produção foram cruelmente assassinados, e outros ameaçados de morte a ponto de desistir da luta. Exemplo internacionalmente conhecido é a Irmã Dorothy Mae Stang, religiosa norte-americana que no Norte do Brasil lutava pelas florestas e direitos dos pequenos agricultores, encontrada morta com 7 tiros no interior do Pará. Estamos falando sobre uma indústria muito grande, muito rica e munida de apoio do Estado. Ora, até temos uma bancada ruralista no Congresso!
Temos uma lista de problemas muito grandes, mas a luta não pode ser abandonada. Reduzir o consumo de carne e laticínios não pode ser só um hábito isolado, precisa ser aliado a práticas políticas concretas como se tornar consciente sobre a sua comida: de onde vem, se parte de agricultura familiar, se financia grandes empresas que se valem de sofrimento humano e animal; precisa também ser pensada dentro do sistema político, é necessário apoiar candidaturas que representam suas lutas; e por fim, mas tão importante quanto, garantir que a informação jamais cesse. As pessoas têm o direito de saber o que estão comendo e o que estão financiando.
Por fim, deixo um dos meus trechos favoritos das canções do MST, que costumo ouvir na voz de Zé Pinto e Zé Geraldo, para que inspire nossas lutas: “E assim ninguém chora mais, ninguém tira o pão de ninguém, o chão que pisava o boi é feijão com arroz, capim já não convém”.