Uma mulher subversiva

Subversivo, segundo o Dicionário Aurélio, significa: 1 – Que subverte, que tende a subverter. 2 – Que ou quem pretende perturbar ou alterar a ordem estabelecida. 3 – Que ou quem contraria as ideias ou opiniões da maioria. E como era subversiva essa mulher maranhense chamada Maria Aragão (!), de quem eu pouco (ou nada) conhecia até ler Uma subversiva no fio da história (2016, Editora Vias de Fato), terceiro livro do jornalista Emílio Azevedo. Negra, pobre, autônoma, ela foi professora, médica e militante política pelo Partido Comunista do Brasil (PCB) e até sua morte, aos 81 anos, não cansou de contrariar nossa estrutura social e os costumes vigentes.  

O livro, que é composto por nove reportagens independentes e não cronológicas, nos apresenta as várias facetas de uma mesma Maria Aragão (1910 – 1991): a comunista que depois de morta foi bajulada “por alguns que estavam junto a seus perseguidores”; a militante política que era próxima ao líder comunista brasileiro Carlos Prestes; a mulher que sempre lutou contra a opressão masculina; a médica humanitária e incansável; a senhora que aos 63 anos foi presa e torturada pela ditadura militar; a que contribuiu com a imprensa comunista no Maranhão; a que “foi chamada pejorativamente de puta pelos pastores de sua época, acusada de ter pacto com o diabo” e que “tempos depois tornou-se referência de cristãos libertários”; a que se manteve firme em suas concepções políticas e a favor do povo.

A reconstrução da vida de Maria, que não foi um anjo, nem tão pouco um demônio, é escrita de forma paralela a fatos políticos e históricos do Brasil e do mundo, ocorridos nas últimas seis décadas. Uma subversiva no fio da história é claramente uma homenagem, entretanto, seu autor, que já de início afirma não buscar e nem acreditar na imparcialidade, não “pinta” uma visão romantizada de sua “personagem”. É justamente o contrário: busca desconstruir o mito criado em volta dessa mulher que foi “[…] uma figura emblemática que reunia o discurso e a prática” “que após a sua morte, em alguns momentos, teve sua história maquiada, como se fosse uma espécie de ‘anjo’ ou ‘padroeira’”.

É pertinente, portanto, o questionamento feito pela antropóloga Maristela de Paula Andrade, no prefácio do livro: “Por que não contar aos jovens brasileiros a história de pessoas como Maria Aragão, que lutaram por igualdade, justiça, liberdade, por um mundo melhor para os explorados e oprimidos? ”. Neste Dia Internacional da Mulher permito-me ser ainda mais específica: por que não contar as histórias de mulheres que tão bem incorporaram o espírito dessa data, criada no contexto das lutas femininas por melhores condições de vida e de trabalho?

“A subversão de Maria passa, necessariamente, pelo fato dela ter sido ligada a um partido comunista, marginalizado, jogado na ilegalidade, que funcionava clandestinamente, planejando uma revolução que, no seu ideal, acabaria com a acumulação da riqueza privada e com as classes sociais, isto é, daria fim às diferenças materiais entre pobres e ricos.” (Emílio Azevedo)

Extra:

Conheça a praça e memorial Maria Aragão, projetada por Oscar Niemeyer, em São Luís, capital maranhense.

Uma subversiva no fio da história, Emílio Azevedo

Maria por Maria (Depoimento autobiográfico de Maria Aragão), Euclides Moreira  Neto

Documentário: Maria Aragão e a organização popular

Idayane Ferreira
Idayane Ferreira

“Jornalista com “abundância de ser feliz”, mais “da invencionática” do que “da informática”, acredita piamente que Manoel de Barros escreveu “O apanhador de desperdícios” baseando nela.“

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