A coluna de hoje é uma colaboração da jornalista e fotógrafa Edmara Silva. Amiga de longa data, ela adora cafés, boas conversas, livros e rolês aleatórios, não necessariamente nessa ordem. Ilustrando o texto, um desenho da Yas especialmente para a coluna. Recentemente, achei um diário dos meus 11 anos. Um achado e tanto. Nas páginas […]

A coluna de hoje é uma colaboração da jornalista e fotógrafa Edmara Silva. Amiga de longa data, ela adora cafés, boas conversas, livros e rolês aleatórios, não necessariamente nessa ordem. Ilustrando o texto, um desenho da Yas especialmente para a coluna.

Recentemente, achei um diário dos meus 11 anos. Um achado e tanto. Nas páginas amareladas havia ideias, medos, receios e afirmações. Coisas que eram importantes: folhas, flores secas, corações em figurinhas de artistas da revista Capricho. Desejava uma casa com uma “parede laranja e uma estante rosa”. A casa ainda não veio, a estante é branca, porém os livros abundantes se espalham por todos os lados. Havia uma lista no final do caderno com metas:

  1. Viajar para fora da cidade;
  2. Comprar a saga do Harry Potter e, por último, mas não menos importante, aprender:
  3. fazer pipoca doce.

Das metas, viajar segue sendo uma construção: a meta da mulher de trinta anos é conhecer todos os estados do Brasil. Essa é uma daquelas metas que não têm pressa. Não é uma competição para completar a lista mais rapidamente. É um convite para uma jornada de descoberta, como degustar um bom vinho que leva tempo para ter sua apuração.

Para a menina de 11 anos, o tempo era medido por coisas menos complexas, como aprender a fazer pipoca doce. Agora, enquanto estou ocupada com títulos, artigos e trabalhos, esses dois momentos da minha vida se encontraram novamente, e decidimos pegar a receita que estava compilada no caderno e tentar mais uma vez. Sendo sincera, não ficou perfeito; algumas ficaram queimadas. No entanto, uma meta que persiste ao longo de duas décadas merece ser realizada.

Entre todas essas metas, uma permaneceu em destaque: aprender a fazer pipoca doce. Quase duas décadas se passaram, e tinha esquecido de concretizar esse aprendizado. Estamos sempre à beira de correr atrás do tempo, como o Coelho da Alice.

“Entre todas essas metas, uma permaneceu em destaque: aprender a fazer pipoca doce”. Ilustração: Yas Sousa.

Ao relembrar essa época enquanto assistia, graças à tecnologia das plataformas de streaming, à nostalgia daqueles dias de 2004, senti minha criança interior sentada e alegre, torcendo pelo casal. A novela, uma edição da extinta “Malhação”, começa com o aviso que as ideias da novela representam o tempo no qual foi passado e serve de aprendizado para melhorarmos…

Confesso que meu eu do passado me ensinou muitas coisas. Enquanto as pipocas estouraram na panela, eu mergulhava nas leituras. Alguns sonhos se perderam no tempo, enquanto outros foram criados. Recentemente, durante uma das minhas visitas a cafeterias, conheci uma senhora. Sentada ao meu lado, parecia agitada, e de alguma forma, nossos tempos se sincronizam. O início da nossa conversa aconteceu devido à demora no meu café e à minha iminente pressa, enquanto ela também estava preocupada com o horário adiantado. Assim, passamos duas horas conversando sobre astrologia, política e signos. Descobri que existem diferentes tipos de mapas astrológicos. “Menina, a gente é sempre uma personalidade em cada tempo e idade”, definiu ela. Para ela, a minha personalidade da hora era calma e tagarela.

Ela, aos quarenta anos, se encontrava após um relacionamento de mais de uma década, com filhos adultos, encontrando novos planos, agora voltados para ela mesma. ‘A vida sempre é possível começar’, concordamos após trocar números de telefone e fazer promessas de marcar um café quando tivermos tempo. Bem, não sei se encontraremos esse tempo ou se esse encontro se tornará apenas uma lembrança de quando o tempo nos encantou.

Dias antes, eu havia saído com uma amiga e, em sua impetuosa visão de vida aos 22 anos, considerava-se velha devido a um amor desiludido. Sentia-se desprovida de esperanças de encontrar alegria, enquanto o tempo continuava a se arrastar, presa ao amor do passado. Recentemente, recebi uma mensagem dela: ‘comprei ingressos’ para um show que há muito desejava. Num gesto espontâneo, ela se lançou de volta às suas vontades musicais atemporais.

“Temos todo o tempo do mundo,” já dizia a Legião Urbana, como concordava um amigo, enquanto narrava sua grande história de amor, descoberta após sete anos de encontros e desencontros com uma amiga. Desde então, passaram-se dias frios, surgiram outros amores e enfrentaram alguns dissabores, mas os planetas se alinharam em um bar, sob uma árvore e com doses de cerveja barata, em uma história marcada por ‘olhos castanhos’ e ‘abraços fortes’. Eles, como a canção sugere, ‘tiveram seu próprio tempo’.

Ao voltar para minha leitura, percebi que os queridos amigos haviam se tornado apenas memórias, cada um seguindo seu próprio caminho em sua jornada temporal. Existem coisas na vida que não podemos controlar, como a intensidade do vento, o tamanho do mar, a quantidade de gotas que caem na chuva e o calor do sol que queima… Todas essas forças chegam e deixam suas marcas.

Minha amiga psicóloga sempre cita que devo reconectar com minha criança interior e acalmá-la. No nosso próximo encontro, vou dizer que nos encontramos e experimentamos o doce da pipoca. O tempo é uma questão de velocidade que aplicamos a ele. Temos inúmeros mecanismos para controlar o tempo, como relógios, alarmes e calendários, mas às vezes esquecemos o que realmente importa.

Cada um de nós tem seu próprio tempo: o meu para aprender a fazer a tão desejada pipoca doce foi de 20 anos. Qual é o tempo que você tem?

(Edmara Silva)

Idayane Ferreira

“Jornalista com “abundância de ser feliz”, mais “da invencionática” do que “da informática”, acredita piamente que Manoel de Barros escreveu “O apanhador de desperdícios” baseando nela.“

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