Quando li o livro Stoner, fiquei me interrogando porque a trajetória de um professor tão comum que vivera nos EUA do início do século XX seria interessante para alguém que não é diretamente envolvido com literatura e com a universidade?
Willian Stoner tem uma vida bastante triste e monótona, mantém o mesmo emprego durante toda a vida, está num casamento infeliz por quase quarenta anos, não tem uma relação de proximidade com sua filha e não é de amizades. Como uma vida tão sem graça se transformou neste romance tão aclamado? Como John Williams consegue este milagre literário? Será que é a qualidade da escrita do autor? Será seu estilo claro e simples? Será a sua facilidade de transformar uma vida banal em 305 páginas? Será que este romance foi escrito para nos fazer conhecer um homem tão inativo e tão exilado de sua própria vida que jamais imaginaríamos ser personagem de uma das histórias mais fascinantes da literatura? E, por fim, será que Stoner nos faz pensar sobre nosso narcisismo?
William Stoner é filho de agricultores pobres que, em 1910 vai estudar na Universidade do Missouri para estudar ciências agrárias com a finalidade de trazer novas técnicas de agricultura para a fazenda de seus pais. Ele fazia seu trabalho na universidade como fazia na fazenda, meticulosamente, conscienciosamente, sem prazer ou dor. Sua média era B, mas ele estava satisfeito. No entanto, as coisas mudam quando ele entra no curso semestral de Introdução à Literatura Inglesa, necessário a todos os alunos da universidade.
Ele teve dificuldade com a disciplina, pois o tirou do lugar confortável: exigia que ele pensasse e tivesse uma opinião própria. Como palavras tão banais podiam esconder uma chave que o levaria para outros lugares? Stoner tomou consciência de si mesmo como de um jeito que nunca lhe ocorrera. Sem amigos, e tendo pela primeira vez a consciência dessa solidão, começa a frequentar a biblioteca. Ele percebe que existe algo lá fora que pode liberar a sua humanidade e que a literatura é um poderoso instrumento de libertação. A literatura é a sua verdadeira paixão e é isso que, em última análise, dá sentido à sua vida. Ainda sem saber o que fazer quando seu curso terminasse, seu professor da disciplina de Introdução à Literatura Inglesa o convoca a ser professor da universidade onde estuda. Sem se questionar, ele aceita a sugestão e segue seus estudos para ser professor. William Stoner aprende latim e grego, transforma-se em um aluno do primeiro time da literatura inglesa da Universidade e recebe seu diploma de Bacharelado em Letras da Universidade do Missouri.
A Primeira Guerra Mundial começa, porém ele chega à conclusão de que o conflito armado é a antítese da criatividade e da obra civilizadora do intelectual. No fim da guerra Stoner conhece Edith, que se torna sua mulher e uma filha nasce desse casamento. Ele segue a sua vida como na universidade e na fazenda, meticulosamente, conscienciosamente, sem prazer ou dor. Nada acontece de mais marcante em sua vida, no entanto, a sua vida com uma modesta trajetória é permeada de contingências.
Com seu texto, o autor nos convoca a vivenciar aos incidentes trágicos na vida doméstica, a crueldade e ao ressentimento entre colegas acadêmicos, a humilhação, a vilania e a decadência. Todos estes momentos estão na narrativa com a mesma força em que aparece a descoberta de sua paixão pela profissão, a rotina do casamento e da vida familiar, a disciplina da academia, suas leituras e … o apaixonamento. Quando Stoner se apaixona, ele é tomado por um sentimento de arrebatamento que nada diz daquele homem metódico e sem arroubos. Ele é invadido pela pulsão erótica e pela primeira vez, ele faz amor. Era como se ele se mantivesse virgem até conhecer Katherine.
Com uma linguagem cristalina, sem parecer didática ou pueril, o autor se serve do seu estilo literário para nos fazer pensar que qualquer pessoa pode se identificar com a vida chata, sem graça e sem grandes arroubos de Stoner e nos convoca a refletir sobre nosso lugar no mundo, pois Stoner é um livro que fala das fraquezas humanas, da inadequação, de traição, das decepções e frustrações, mas sem fantasias e desesperos. John Williams nos mostra o invisível das relações humanas em todos os seus triunfos e suas tragédias cotidianas.
Stoner, 305 págs. Autor: John Williams. Editora: Rádio Londres.
Sou Lília Sampaio, psicóloga em Salvador, Bahia e uma psicanalista que gosta de histórias. Em minhas horas vagas, gosto de meus discos, livros, filmes, bichos, plantas, saidinhas com amigos e ficar em casa com minha família. Se você desejar fazer análise, faço atendimento presencial e online.