Às vezes, um livro prende tanto a nossa atenção que mal conseguimos desgrudar dele. Quando isso acontece comigo, tenho dois sentimentos distintos e conflitantes: quero muito saber como tudo termina, ao mesmo tempo que quero prolongar ao máximo possível a sensação prazerosa que aquele livro está me proporcionando.
A balança pende sempre mais para saber o final da história, e assim me ponho a ler freneticamente. Esse traço da minha personalidade literária fazia – durante o período da adolescência – pular para o final do livro quando o início da leitura me empolgava. Sendo eu uma pessoa que não liga para spoilers, saber o final do livro, ao invés de acabar com a magia, me estimulava a ler mais.
Em uma ou duas ocasiões, usar essa tática me fez largar o livro a poucas páginas de finalizar. Foi o que aconteceu com “Divã”, de Martha Medeiros. Comprei o livro para dar de presente a uma amiga que eu sabia gostar muito da autora, mas como faz parte da minha “política editorial”, não dou livros que não conheço. O livro é ótimo e eu devorei com avidez, mas resolvi conferir o final – aquela mania da minha personalidade literária adolescente que eu deixara há séculos. Restava menos de 10 páginas, mas saber como acaba me deu uma tristeza tremenda, e eu larguei o livro sem finalizar a leitura.
Quando li a biografia de Clarice Lispector escrita por Benjamin Moser, a proximidade do fim do livro significava também que se aproximava a morte de Clarice, e eu fiquei dividida entre finalizar o livro e saber como ela havia morrido ou permanecer com ela “viva” enquanto não encerrava a leitura. Isso fez com que eu adiasse um pouco mais o fim do livro e da Clarice.
Atualmente, tenho “sofrido” com a chamada ressaca literária – aquele vazio existencial pós término de um livro marcante – depois de finalizar “Anarquistas, Graças a Deus”, de Zélia Gattai. Essa é a obra de estreia da autora e foi publicada em 1979. Trata-se de um livro de memórias, no qual Zélia conta sobre sua infância e adolescência na cidade de São Paulo, no início do Século XX. É um relato particular, mas serve como um retrato histórico da vida de italianos que chegaram ao Brasil no final do Século XIX.
Finalizado esse livro que muito me encantou e me divertiu, sinto algo que já vivi outras vezes e que é comum também a outros leitores: a incapacidade de engatar uma próxima leitura. Já estou na terceira tentativa e nada. Resolvi fazer uma pesquisa e encontrei alguns artigos na internet com dicas de como “curar a ressaca literária”. Fiz então um compilado das que achei mais aplicáveis:
- Retorne aos poucos com leituras gostosas, como contos, HQs e mangás;
- Pegue um livro com um tema parecido com o que te deixou de ressaca ou releia um livro que você ama;
- Consuma algum tipo de livro diferente ou busque recomendações;
- Crie metas e rotinas de leitura e separe um momento do dia para ler;
- Leia um determinado número de páginas antes de desistir de um livro;
- Converse com alguém sobre a leitura;
- Não force e não tenha medo de desistir de um livro.
Por aqui, tenho utilizado a velha e boa estratégia de “ter paciência e esperar”. De certo modo, aceito a minha ressaca literária como algo positivo. Ela é um lembrete de que a leitura é uma experiência pessoal e emocional, e que é uma das maiores dádivas que a literatura pode nos oferecer. Uma prova de que os livros têm o poder de mudar nossas vidas, moldar nossa visão de mundo e nos levar a questionar, aprender e crescer. A ressaca literária pode ser um desafio, mas é também um testemunho do poder duradouro dos livros.