Rompendo um pouco com a tradição de indicação de livros escritos por mulheres, venho falar sobre “O avesso da pele”, livro de um carioca nascido em 1977, mas morador de Porto Alegre desde a infância. Jeferson Tenório é professor, doutorando em teoria literária pela PUC-RS e autor de outros dois romances: “O beijo na parede” (2013) e “Estela sem Deus” (2018). Teve textos adaptados para o teatro e contos traduzidos para o inglês e espanhol. “O avesso da pele” é um livro sobre os afetos, sobre a reconstrução desses afetos. É um livro que procura dar dignidade a uma existência que foi solapada pelo Estado, pela violência policial.
A história é contada por Pedro, que na verdade conta a história de seu pai, morto numa abordagem policial bastante problemática, para dizer o mínimo. Então, esse livro vai falar sobre racismo, violência policial e outros tipos de violência, mas também sobre as relações familiares. É muito simples (nunca simplório), direto e doloroso, porque parece que você está lendo um relato real e, de fato, não deixa de ser, pois o autor também é negro e muitas coisas lidas no livro já aconteceram com ele, segundo entrevistas dadas por ele mesmo.
É um livro muito interessante porque faz algo que é mostrar o racismo de forma bastante didática, mas sem explicar, ele apenas mostra. Então, o leitor tem que lidar com aquilo que está sentindo e testemunhando, e são relatos dolorosos que causam um desconforto mesmo, mas que acontecem e, por acontecerem tantas vezes com a população negra, tornam-se, por vezes, banais. Então, Pedro, no meio das memórias contadas ali do seu pai, vai tentando se encontrar e entender as coisas que estão acontecendo na vida dele, e as coisas que aconteceram com o pai conversam muito com quem ele é hoje. Nesse processo de redescobrir o pai através das lembranças, memórias e anotações, ele também vai se autodescobrindo e percebendo coisas que terá que enfrentar na vida, porque vive num país em que o racismo está estruturado.
“O avesso da pele” é um livro para incomodar o leitor. As coisas vão acontecendo como se a escrita surgisse de uma ferida aberta. Escorrem no romance afetos e abandonos, momentos de esperança na educação e de violência do Estado, elementos da luta corporal que costuram a subjetividade e a identidade social dos personagens.
Graduada em Serviço Social pela UNISULMA e faço parte do Clube de Livros Mulheres em Prosa que é um grupo de leitura de mulheres que leem mulheres e que se reúnem uma vez a cada dois meses para debater uma obra de autoria feminina. Nessa coluna, pretendo compartilhar com vocês sobre as leituras que já fiz e quais as percepções que elas me trouxeram. Uma frase que gosto muito é da Rosa Luxemburgo que diz o seguinte: ”Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem”.