Conheci minha melhor amiga há mais de três décadas em uma aula de dança. Lembro muito bem que as nossas primeiras conversas foram a respeito de uma colega que ela dizia que era a mais bonita de todas as alunas. Eu, curiosa, perguntei o motivo e ela me disse “Angelina tem corpo de mulher”. Essa resposta me atraiu, pois eu nunca tinha me questionado o que era um corpo de mulher. A partir daí, aquela menina magrinha com olhos brilhantes e inquietos passou a me surpreender com uma observação de um mundo que eu desconhecia: o mundo feminino.
Ao longo desses anos, fui percebendo que minha amiga sempre se aventurou por mundos desconhecidos e eu, sempre curiosa, tinha notícias dessas vivências a partir das palavras dela e nunca deixei de me surpreender do quanto somos diferentes. Eu, aquela que cria raízes em todas as escolhas; ela, aquela que se vai, que não se fixa. Vai e volta para me contar.
Eu conheço mil pessoas, mas sou de pouquíssimos amigos; ela tem mil e um amigos, mas a referência sou eu: “ela é minha melhor amiga”, como um lugar cativo, que ela volta para se refazer.
Esses dias eu estava lembrando que, após ler a Amiga Genial, um livro que fala da amizade de duas adolescentes tão diferentes, eu fiquei meses tomada pelo incômodo e o horror que este livro me trouxe, pois me deparei pela primeira vez com alguns questionamentos de minha relação com a minha melhor amiga.
Não consegui ler o livro de uma vez, como sempre faço. Parei, li outro e mais outro, mas sempre com aquele pensamento que precisava retomar o livro, mas e o incômodo que ele me trazia? A Amiga Genial fala de Lenu e Lila e da competitividade entre elas. Será que eu e minha melhor amiga competíamos? Se sim, eu estava perdendo disparado, pois genial era ela com tantas vivências e tantos conhecimentos. E por que eu estava tão preocupada com o fato de perder para minha melhor amiga se minhas escolhas me levavam para um lugar de desejo? Será que meu assombro estava ali?
Lembro muito bem de um dia em que ela queria me contar sobre algum fato e eu fugindo para não me deparar com a angústia que aquele encontro me traria, mas resolvi enfrentar meu temor e conversamos. Ela, óbvio que não percebeu nada e estava exatamente como quando a conheci: com olhos inquietos e que denunciavam mais uma aventura com suas amigas. Ali eu percebi qual era a questão: eu tinha muito medo de que ela encontrasse alguma amiga que me substituísse, que fosse a partir dali a sua “melhor amiga”.
Será que eu conseguiria viver com o vazio das mensagens, ligações, conversas, trocas e muitas risadas? Será que eu suportaria ser trocada por outra amiga? Por que eu estava tão insegura do meu lugar na vida dela? Será que era por que eu também estava me abrindo para novas amizades?
Essa experiência me trouxe um grande aprendizado. Amizades assim como qualquer relacionamento exige muito trabalho de costurar essa relação em que cabem outras pessoas. Umas mais interessantes e outras não tão interessantes assim. Quando eu me vi aberta a possibilidade de me abrir para mais uma melhor amiga, eu vi balançar o meu relacionamento longo, duradouro e frondoso com a minha amiga genial, porém me fez perceber que mesmo com tantas outras amigas, eu era a amiga genial dela. A amiga que se pode voltar sempre que se precisa de um olhar de compreensão e de validação do que se é.
Somos completamente diferentes. Somos pontos antípodas. Mas assim como eu sou o ponto cativo de minha melhor amiga, ela é aquele barquinho que vai, vai, vai, mas volta para abastecer. E eu estarei sempre ali esperando. Agora cercada de outras amigas.
Sou Lília Sampaio, psicóloga em Salvador, Bahia e uma psicanalista que gosta de histórias. Em minhas horas vagas, gosto de meus discos, livros, filmes, bichos, plantas, saidinhas com amigos e ficar em casa com minha família. Se você desejar fazer análise, faço atendimento presencial e online.