Tive uma conversa boa sobre memória com uma amiga professora (ou seria uma professora amiga?). O pai dela havia encontrado e relido um dos livros favoritos da infância e encantado pela redescoberta se propôs a ler mais obras daquele autor. A história, por si só, já daria um ótimo tema para a coluna, mas tive a ideia de iniciar um miniprojeto no Virando a Página: o Memórias afetivo-literárias. Uma vez por mês vou escrever sobre algum livro que marcou a minha infância ou adolescência. E como lembrar é (re)viver, esse espaço também estará aberto para receber textos dos leitores e das leitoras (interessados e interessadas mandem e-mail para idayane@portalassobiar.com.br).
Começo por um livro que ganhei de presente de um tio muito querido quando eu tinha por volta dos doze ou treze anos: Conversações com Renato Russo (Editora Letra Livre, 1996). As músicas da Legião Urbana faziam parte do meu cotidiano desde os meus 11 anos de idade. Ouvia tanto que cheguei a arranhar o CD Acústico (que pertencia ao meu tio) tentando aprender Pais e Filhos. Aquelas letras maravilhosas, que mais pareciam ter saído de um livro de poesias (algumas, realmente), eram compostas pelo vocalista da banda e assim, por extensão, eu amava (e continuo amando) os dois: Legião Urbana e Renato Russo. Lia tudo o que encontrava sobre a banda e sobre seu vocalista (e letrista) – o que aliás não chegava a ser muito, tendo em vista que na época não havia computador e nem internet na minha casa.
O Conversações é uma seleção com as melhores entrevistas que Renato Russo cedeu a jornais e revistas do país. “A edição dos textos fixou-se nos trechos mais elucidários das entrevistas, para compor uma espécie de roteiro da evolução criativa e intelectual do precoce roqueiro punk que acabaria se transformando em estrela guia da juventude com causa”. Está dividido em sete capítulos: 1985-1987, 1988-1990, Legião por Legião (com a presença dos outros componentes da banda), 1991-1993, Renato Russo por Renato Russo (trechos selecionados de várias entrevistas, divididos por temas), 1994-1995 e 1996. O capítulo final do livro traz as duas últimas entrevistas de Renato, que morreu em outubro de 1996, aos 36 anos de idade, devido a complicações decorrente da Aids.
“Em cada frase, a ousadia de um artista que se transformou no guru de gerações de jovens brasileiros”. E que falava sobre os mais variados assuntos: vida, carreira, música, drogas, sexualidade, política, espiritualidade…. Carismático e criativo, podia ser polêmico e inquieto não apenas em suas declarações. Era um leitor voraz e tinha pretensões como escritor. Recentemente, a Companhia das Letras lançou 42Nd Street Band – Romance de uma banda imaginária (2016), história que ele escreveu entre os quinze e dezesseis anos enquanto convalescia de uma doença óssea. A editora também publicou O livro das listas – Referências musicais, culturais e sentimentais (2017) e Só por hoje e para sempre: Diário de um recomeço (2015).
O exemplar que ganhei do meu tio ainda existe, está com as páginas levemente amareladas nas bordas e alguns poucos riscos de caneta. Passou por muitas mãos porque os meus amigos e amigas mais próximos (incluindo primos e primas) também eram fissurados pela banda e pelo seu vocalista. Abrir suas páginas foi como me teletransportar para uma época em que as dúvidas, tipicamente adolescentes e quase insuportáveis, encontravam refúgio e identificação no timbre e nas letras do Renato.
“Se eu tenho medo que me esqueçam? Não; eu estou com o público e ele está comigo”, disse certa vez e ao que parece tinha razão.