Literatura e os mundos possíveis

“Os livros não mudam o mundo. Os livros mudam as pessoas, as pessoas mudam o mundo.” Li essa frase atribuída ao poeta Mário Quintana (1906-1994) e embora não tenha certeza sobre a autoria, para mim é exato seu sentido: muito do que sou hoje é fruto das minhas leituras e do contato com a poesia.

Não lembro de ter tido livros na infância que não fossem os didáticos, dos quais preferia os de história, ciências e, claro, português. Além disso adorava ler as revistas e os livros que encontrava na escola. Dessa época tenho especial carinho pela Ciência Hoje das Crianças (CHC), uma revista sobre ciências, que como o próprio nome sugere, é feita para crianças. Li durante o ensino fundamental e adorava os temas tratados e também os experimentos que a revista trazia. Não entendia o porquê de os professores não utilizarem essa maravilhosa revista em sala de aula e fiquei com uma vontade imensa de ser uma cientista. Como resultado entrei em grupo de pesquisa já no primeiro período da graduação em Jornalismo.  

Penso também em quem eu seria hoje não fosse a comunhão da poesia. As palavras doces da Cecília Meireles, os temas sociais do Drummond, a introspecção da Clarice Lispector, o estar no mundo do Manoel de Barros, a clareza lúcida dos textos do Eduardo Galeano, o modernismo do Manuel Bandeira, o encantamento da Adélia Prado e as características diversas de tantos poetas, poetisas, escritores e escritoras que já li na vida. Todos eles e todas elas tornaram meu quintal maior do que o mundo, parafraseando um poema do Manoel de Barros. É dele também: “Imagens são palavras que nos falta. Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem. Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.” (in Retrato quase apagado em que se pode ver perfeitamente nada).

Sempre fui de ler tudo que caísse na minha mão, de bula de remédio a enciclopédia. A leitura ampliou minha visão, mostrou que há vários mundos possíveis (e impossíveis) e me possibilitou chegar em territórios que de outra forma não seria realizável. Por exemplo, já fui à Nigéria e conheci um pouco da vida das mulheres no período pós-colonial inglês, lendo As alegrias da maternidade, da Buchi Emecheta. Vi por meio dos olhos do jornalista Philip Gourevitch, em seu livro-reportagem “Gostaríamos de informá-lo de que amanhã seremos mortos com nossas famílias”, a crueldade do genocídio étnico acontecido em Ruanda, em 1994. O massacre perpetrado por extremistas hutus contra tutsis e hutus moderados que resultou na morte de cerca de 800 mil pessoas.

A literatura também me levou a percorrer vários quilômetros de ônibus e avião para conhecer pessoalmente alguém que mora em Manaus, com quem tenho uma amizade sincera que só foi possível por conta dos livros. Outra coisa curiosa: meu relacionamento, que em 2023 completa 9 anos, teve início numa viagem e por causa do livro As crônicas de Nárnia, do escritor irlandês C. S. Lewis. Sou, sem dúvida, resultado dos livros, literatura, poesia e da leitura tanto quanto dos ensinamentos e da educação que recebi dos meus pais.  

Idayane Ferreira

“Jornalista com “abundância de ser feliz”, mais “da invencionática” do que “da informática”, acredita piamente que Manoel de Barros escreveu “O apanhador de desperdícios” baseando nela.“

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