Sou do grupo de pessoas que adora o período natalino – e a maior parte do que vem junto com esta época. Gosto de como as luzes e os pisca-piscas invadem a decoração da cidade e fazem a gente esquecer que já foi triste alguma vez na vida. Fora o debate sobre por ou não uva passa na comida (que aviso, de antemão, sou a favor) e os muitos filmes clássicos ou recém-lançados que tratam sobre a temática, o Natal também é inspiração para poemas e poesias. E é sobre isso que eu gostaria de falar na coluna de hoje.
Começo com um dos meus favoritos: “Poema de Natal”, de Vinicius de Morais, que aliás não trata sobre o nascimento de Jesus, mas sobre nascer, viver, morrer… (e também velar nossos mortos).
Poema de Natal
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.(Vinicius de Moraes)
Na minha lista entra também o “Soneto de Natal”, de Machado de Assis, cujo tema paira sobre a nostalgia e a incapacidade de transpor para o papel as sensações da “Noite cristã, berço do Nazareno” vivida na infância. Gosto principalmente da frase final: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”
Soneto de Natal
Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.
Escolheu o soneto . . . A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”(Machado de Assis)
Não sei você, mas me surpreendi com a faceta poeta do “Bruxo do Cosme Velho”. Já havia lido um livro ou outro e alguns contos dele, quando numa aula de português, lá pela quinta ou sexta série (o que seria atualmente o sexto ou sétimo ano), ao apresentar um trabalho sobre o realismo, “descobri” que o escritor também tinha publicado poesias. Sua produção em verso, comparada com a sua produção em prosa (romances, contos e crônicas), é bem tímida e pode ser lida nos livros “Crisálidas” (1864),“Falenas” (1870),“Americanas” (1875),“Ocidentais” (1880) e“Poesias completas” (1901).
Para encerrar a coluna de hoje, trago a singeleza do Mario Quintana em “Tudo tão vago”, um embalo de cantiga de ninar capaz de extinguir o choro de uma criança (ou de um adulto).
Tudo tão vago…
Nossa Senhora
Na beira do rio
Lavando os paninhos
Do bento filhinho
São João estendia
São José enxugava
E o menino chorava
Do frio que fazia
Dorme criança
Dorme meu amor
Que a faca que corta
Dá talho sem dor
(de uma cantiga de ninar)
Tudo tão vago… Sei que havia um rio…
Um choro aflito… Alguém cantou, no entanto…
E ao monótono embalo do acalanto
O choro pouco a pouco se extinguiu…
O Menino dormira… Mas o canto
Natural como as águas prosseguiu…
E ia purificando como um rio
Meu coração que enegrecera tanto…
E era a voz que eu ouvi em pequenino…
E era Maria, junto à correnteza,
Lavando as roupas de Jesus Menino…
Eras tu… que ao me ver neste abandono,
Daí do Céu cantavas com certeza
Para embalar inda uma vez meu sono!…(Mario Quintana)
E você, também gosta de poemas e poesias sobre Natal?