A coluna de hoje é uma colaboração com Débora Costa, mestre em Democracia e Constitucionalismo, graduanda em Letras português/inglês. Interessada em artes, liberdade de expressão e democracia, ela já publicou textos em algumas revistas científicas na área do Direito e está iniciando a caminhada na escrita criativa com um conto e um poema publicados em antologias.
Idayane: O universo literário é realmente surpreendente e a colaboração de hoje veio para confirmar essa minha certeza. 1- O tema da coluna foi escolhido pela Débora. 2- Não nos conhecemos pessoalmente e conversamos pouquíssimo até agora. 3 – Moro no MA e ela em MG. 4 – Entendo quase nada da área do Direito. 5 – Nunca falamos sobre nossos gostos literários. Ainda assim, ela escolheu um livro que conheço e gosto, de uma autora que amo. Coincidência? Talvez. Mas prefiro acreditar que existe um fio mágico conectando as mais diferentes pessoas (e eu o chamo de literatura).
No seu pescoço (2009), reúne doze contos da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Ficcionista consagrada pelos livros de romance e ensaio, ela mostra aqui sua face contista. “Combinando técnicas da narrativa convencional com experimentalismo, […] Adichie parte da perspectiva do indivíduo para atingir o universal que há em cada um de nós e, com isso, proporciona a seus leitores a experiência da empatia, bem escassa em nossos tempos”. As histórias transitam entre o continente africano e os Estados Unidos (EUA) e tratam sobre imigração, conflitos religiosos, relações familiares, desigualdade racial, preconceito, adaptação e cultura. É incrível como conseguimos nos identificar com a realidade das personagens mesmo que ela seja o mais distante possível da nossa.
Débora: A literatura, como arte em geral, tem a prerrogativa de se relacionar com qualquer instituição, uma vez que “ (…) esse mundo outro que o artista cria ou inventa nasce de sua cultura, de sua experiência de vida, das ideias que ele tem na cabeça, enfim, de sua visão de mundo”, de acordo com Ferreira Gullar, e por esse motivo, pode-se analisar a relação entre direito e literatura.
Chimamanda é uma das principais vozes da literatura contemporânea, em seus livros trata de temas como o espaço da mulher, a sociedade patriarcal, racismo, nacionalismo, opressão e a cultura africana. Observando o livro de contos No Seu Pescoço, de sua autoria, é possível encontrar alguns tópicos repetitivos dentre eles, os quais podem ser compreendidos pelo Direito – especificamente a luz do Direito brasileiro contemporâneo.
As questões levantadas são facilmente encaixadas em análises quanto ao Direito Constitucional, uma vez que se percebe a necessidade de manter aspectos culturais africanos, sem, porém, colidi-los com direitos inerentes a todo ser humano. Em contos como Jumping monkey hills e Uma historiadora obstinada, tem-se a desvalorização da cultura africana pelos britânicos. No primeiro observa-se um homem branco determinando verdades sobre o povo africano, enquanto que no segundo há a imposição da colonização de exploração britânica sobre a cultura africana.
Pode-se analisar hoje que questões quanto à soberania são mais respeitadas, uma vez que já houveram várias colonizações por parte do continente europeu, e todas que tiveram o objetivo de explorar o país deslegitimaram a cultura, ato constitucionalmente rejeitado, pois se afasta de preceitos de uma sociedade plural tal como apresentado nos direitos fundamentais da Constituição brasileira de 1988.
Outra questão vista nos contos de Chimamanda é o espaço da mulher dentro da sociedade, uma vez que na maioria dos textos tais personagens estão entrelaçadas aos parceiros, nem sempre tendo espaços próprios para se construírem, como nos contos: Réplica, A embaixada americana e Os casamenteiros. O direito brasileiro passou por várias modificações no âmbito do direito das mulheres. É necessário relembrar que por meio de inúmeras lutas feministas hoje as mulheres podem se casar e separar, arrumar emprego, ter cartão de crédito, viajar sozinhas, votar e vários outros direitos que às vezes nem são lembrados por já serem vistos como inerentes.
Entretanto, nem sempre foi assim, o Código Civil de 1916 trazia limites para certas atitudes das mulheres, o qual somente foi modificado com o neoconstitucionalismo, ou seja, com a aplicação de leis constitucionais – como o direito fundamental de que todos são iguais perante a lei – nas leis infraconstitucionais.