Tenho uma casinha de aluguel no fundo da casa da minha avó, construída há tempos, tanto que já nem sei quanto. Aluguel este que foi base do meu sustento enquanto fazia faculdade. Aluguei-a, certa vez, para duas senhoras idosas que, por circunstâncias que não sei, pararam sós, velhas e sem um teto à porta de minha casa. Uma era grande e de olhar triste, cheia de bugigangas, vestia-se sempre destoante, a outra era meio cega e pequena, de sorriso complacente, gostava de cortar laranjas no sentido anti-horário, ambas rabugentas, mal da idade, suponho.
Meu quarto fazia divisa com o quarto delas, eu era, sem que soubessem, “boa” ouvinte das duas; elas conversavam sobre tudo e o assunto preferido, como se para fazer-se lembrar que eram “velhas”: era o passado. O que não diferia nas conversas era o findar, sempre brigavam. Adoravam brigar.
Ambas eram religiosas e frequentam uma igreja perto de casa e gostam de debater sobre os ocorridos da igreja, que, certamente, sempre acaba em briga. “Religião é um problema”, uma falou certa vez e a outra discordou e como de costume, brigaram. Lembro de uma vez que minha tia ouvia o rádio e na faixa passava “Lázaro”, um cantor religioso muito famoso na época; eu estendia as roupas no varal do quintal compartilhado quando ouvi uma das senhoras pedir para a outra para colocar aquela música no radinho que elas tinham:
– oh! Maria, tá tocando Lázaro, coloca ai pra “nóis” ouvir.
– Quê, Rosa?
Também ouviam com dificuldade.
– O Lázaro tá tocando na rádio, põe pra “nóis” ouvir, as meninas tão ouvindo.
– Não, Rosa, é que elas têm a fita…
– Ah! Maria, não é mais fita é aquela outra coisa redonda.
– O disco?
E, mais uma briga começou, para findar a conversa.