Todo dia é uma tragédia nova. Várias tragédias, todos os dias, estampando incessantemente os jornais, passando na TV. Todos os dias é uma complexidade, uma perplexidade nova, que eu tento superar (ou não), refletir (ou não) lendo. Lendo todos os dias, ao menos uma página. Este ano mal começou e já deu sinais de que não será nada fácil, por este e outros tantos motivos: eu leio.
Há várias razões que explicam por que leio: por prazer, pela “obrigação” do estudo, para me distrair ou para o tempo passar mais depressa naquelas longas e demoradas filas da vida. Mas, no fundo, é como o poema As sem razões do amor (in O corpo. Editora Companhia das Letras. 1985), do Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): assim como o amor (descrito pelo poeta mineiro), minha vontade e sede de livros não se explica.
Sou de uma família em que ninguém, além de mim, gosta de ler. Minha mãe conta que, quando criança, eu pegava um livro, sentava no chão e narrava toda uma história como se estivesse lendo, mas eu não sabia ler ainda. Devia ter uns cinco ou seis anos de idade e mesmo sem saber ler, eu lia.
Em algum momento da vida, desejei também ser escritora, uma ideia que não abandonei de todo, pois quando adulta me formei em Jornalismo, o que me permite escrever profissionalmente. Não com a frequência e nem sempre sobre o que gostaria, mas eu escrevo.
Amei (e amo ainda) literariamente muitos escritores e escritoras que só na graduação soube que haviam sido também jornalistas. É o caso da Clarice Lispector, do próprio Carlos Drummond de Andrade e do Gabriel García Márquez. Meu primeiro contato com eles ocorreu por meio da literatura e só mais tarde tive acesso aos seus trabalhos jornalísticos, o que abriu para mim um outro leque de experiências de leitura.
Por falar em graduação e estudos, costumo ouvir dos meus amigos, que estão no ensino médio ou já são universitários, como a leitura prazerosa dos livros foi substituída pela leitura maçante das apostilas. No meu caso, sempre encontrei um jeitinho de encaixar literatura na vida estudantil. Durante o curso de Jornalismo, entre os textos acadêmicos chatíssimos, eu lia poemas, crônicas, livros literários aqui e ali e assim fui sobrevivendo, quase ilesa, aos quatro anos de graduação.
Drummond escreveu que: “Há vários motivos para não amar uma pessoa, e um só para amá-la; este prevalece” (in O Avesso das Coisas. Aforismos. Editora Record. 1990). Ele não explicou, no entanto, qual motivo seria esse. Creio, parafraseando o poeta, que há muitas razões para não lermos e uma só para que nos tornemos leitores: nossa tácita necessidade de expansão. Uma vida vivida não basta, queremos também uma vida inventada, ou melhor, várias.