Buchi Emecheta nasceu em 1944 em Lagos, capital da Nigéria. Passou parte da infância em Ibuza e depois voltou para a cidade natal, onde estudou numa escola de elite graças a uma bolsa. Sua vida foi dura. Casou-se aos 16 e, pouco depois, mudou-se com o marido para Londres. Viveu na Inglaterra por cerca de 50 anos, onde morreu no começo de 2017.
O casamento, no entanto, durou bem menos. Aos 22 anos, após sofrer uma série de violências, já estava divorciada. Deu seu jeito para sobreviver e cuidar dos cinco filhos. Parte desse jeito envolveu a escrita, o trabalho em lugares como a Biblioteca de Londres, a graduação em Sociologia e a consolidação como uma das autoras mais respeitáveis de seu tempo.
Eu gosto sempre de começar falando sobre o autor, pois em muitas das vezes, vemos aí um relato sólido e próprio de suas vivências nos livros que escrevem, esse por exemplo, não ficou para trás e é um “soco no estômago”. Já adianto para não se deixarem enganar pelo título, pois As Alegrias da Maternidade escancara dores. O livro fala sobre Nnu Ego que apesar de viver numa sociedade extremamente patriarcal, onde ela necessita casar e ter filhos para ser reconhecida como uma mulher completa, ela também é a que rege, conduz e administra sua família; mas se o sucesso na criação dos filhos acontecer, todos os créditos são dados aos maridos, do contrário, tudo será culpa das esposas que não souberam criá-los.
A história é centrada na região de Lagos, Nigéria, nos anos 1920 e 1930, e tudo fica ainda mais difícil com a presença dos brancos, impondo sua cultura nem um pouco avançada. A penúria, a inferiorização das etnias locais e a assimilação de um papel feminino nada interessante só fazem piorar a vida das mulheres nigerianas. Nnu Ego é descendente de grandes líderes igbos, filha de um grande líder, um homem forte e caçador. Desde sempre, acalenta o sonho de ser mãe, pois só assim seria uma mulher completa, e se tivesse muitos filhos, eles a amparariam na velhice.
O primeiro casamento de Nnu Ego não deu certo, ela não conseguiu gerar filhos, o marido começa a maltratá-la e casa-se com outra esposa e que logo tem um filho, o pai de Nnu Ego compra-a de volta e arruma um novo esposo para sua filha. Ela então casa-se pela segunda vez, vai para a capital e vive uma vida extremamente precária, onde vai experienciar o choque de culturas provocado pelo colonialismo inglês, as mudanças nos seus costumes ancestrais, as dificuldades de uma vida incerta, os desmandos de uma sociedade patriarcal e as “alegrias” da maternidade, ela é uma mulher incrível, forte, batalhadora, criativa, independente e que faz das tripas o coração, mas em nenhum momento qualquer dos personagens reconhece isso, nem mesmo ela, já que todos esperam dela aquele padrão machista de mulher.
Como disse antes, o título do livro é puro sarcasmo. A contrário de enaltecer a maternidade como meio para se conseguir a plenitude da vida de uma mulher, como vemos ser vendido até hoje, aqui a mulher existe apenas para dar filhos ao marido, que pode ter quantas esposas achar necessário e conseguir sustentar, podendo inclusive herdar esposas de outros membros da família.
As Alegrias da Maternidade é realmente um daqueles livros que devem ser lido por todos e todas, tem um enredo bastante angustiante, mas de leitura bem fluida. Acompanhamos o desenvolvimento e o amadurecimento de uma protagonista tão maravilhosa e tão injustiçada, com um desfecho de tirar o fôlego e que confesso ter me deixado bem reflexiva. Guardada as devidas proporções, existem temas que são sim possíveis de serem trazidos para a nossa realidade. Ou você, pessoa com útero, nunca sentiu como se tudo o que importasse em você fosse apenas seu útero? Eu já senti.
Graduada em Serviço Social pela UNISULMA e faço parte do Clube de Livros Mulheres em Prosa que é um grupo de leitura de mulheres que leem mulheres e que se reúnem uma vez a cada dois meses para debater uma obra de autoria feminina. Nessa coluna, pretendo compartilhar com vocês sobre as leituras que já fiz e quais as percepções que elas me trouxeram. Uma frase que gosto muito é da Rosa Luxemburgo que diz o seguinte: ”Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem”.