Almodóvar flerta com o brega: Isso é maravilhoso!

Almodóvar é um diretor espanhol de cinema que faz uso das cores fortes, também denominadas ‘chillones’, para expressar a gama de sentimentos vividos por seus personagens e com isso provoca e desperta a atenção do espectador de forma visual e emotivamente. Essa característica peculiar presente em seus filmes pode ser uma continuação daquele espírito contestador que marcou o movimento espanhol de contracultura denominado “La movida madrileña” [a cena de Madri].

Em novembro de 2005, em um artigo do site jornalístico El País, Moncho Alpuente destacou sobre a “Cena de Madri’: ‘A festa durou quase uma década: a cidade olhou para o umbigo e se gostou e os jovens nativos, moradores ou visitantes encurralaram em pouco tempo a parafernália ‘progressista’, a barba, o veludo cotelê e a resposta, vestir e pentear seus cabelos com todos as cores do arco-íris”.

“La Movida” foi um movimento juvenil de contracultura, historicamente e politicamente contextualizado entre o pós-ditadura franquista (1939-1975) e o início da década de 1980, naquele momento em que prevalecia o espírito underground e o gosto pela chamada cultura alternativa, nos mais diversos vieses artísticos (musicais, nas artes plásticas e no cinema, com Almodóvar e seu primeiro “Pepi, Luci, Bom e outras garotas do grupo”).

As obras de Almodóvar levam consigo muitas peculiaridades e características singulares. Seus filmes, autobiográficos, lançam um olhar único e pessoal sobre o universo feminino, trazendo temas fortes, controversos e reais. Todavia, a discussão em torno do cineasta vai além da temática presente em seu trabalho, das cenas fortes e dos personagens pouco ordinários.

O constante uso de texturas de animais, bolas, flores, altares e quadros de imagens religiosas, bichos de pelúcia, eletrodomésticos e móveis “retrôs” determinam esse estilo extremamente singular e cheio de personalidade, usado por Almodóvar em suas obras no cinema contemporâneo, como por exemplo, em Mulheres à beira de um ataque de nervos (1987), Ata-me (1989) e Kika (1993).

Almodóvar nos mostra em suas obras que é necessário dar vazão ao lado brega e, ainda mais importante, quando a breguice está diretamente relacionada com um contraponto à opressão do dia a dia. Ficam meio abstratas as múltiplas questões que definem tal tema e procurando acabar com os preconceitos ligados ao termo ‘brega’, com o objetivo de decompor sua presença e importância na obra do diretor espanhol e definindo, então, um mundo extravagante e repleto de detalhes ricos, criado pela identidade popular e sua evolução cultural ao longo dos tempos.

O cineasta nos ensina ainda que todos nós temos um lado brega, e que não há problema em ter esse lado. O problema é não reconhecer o lado brega que temos. Existem aspectos em nós que podemos denominar de brega, mas por ser estigmatizado como um conceito que a maioria dos brasileiros acha ruim, feio, dificilmente se gosta e assume.

Érica Souza
Érica Souza

Açailandense, atualmente acolhida por Imperatriz. Professora, e doutoranda em Estudos Literários. Querer-viver o imaginário levou-me para o caminho das vivências interdisciplinares. Todos os dias a poesia me ensina como sobreviver, então sigo caminhando de mãos dadas com a literatura.

Outras colunas

Os livros clássicos são realmente bons?

O texto explora se os livros clássicos são realmente “bons” e discute o que faz um livro ser considerado um clássico. A autora reconhece que a qualidade de um livro é subjetiva e varia de acordo com o gosto pessoal e o contexto cultural dos leitores. Clássicos são geralmente valorizados por sua influência duradoura, profundidade temática e qualidade literária. No entanto, nem todos os leitores necessariamente apreciam esses livros, já que alguns podem achá-los datados ou difíceis de ler.

Pontuação “polêmica” e estilo narrativo

O texto analisa a obra “Um copo de cólera” de Raduan Nassar, destacando seu estilo narrativo que lembra José Saramago, com capítulos longos e sem pontuação convencional. Nassar combina poética e agressividade, criando uma narrativa intensa. A falta de nomes para os personagens principais e o uso único de pontuação são características marcantes. O autor também menciona críticas sem fundamento a “Ensaio sobre a cegueira” de Saramago, destacando a ignorância de alguns leitores sobre o estilo literário. O texto discute como a subversão das convenções de pontuação pode aumentar a expressividade e densidade das histórias.

Leia para uma criança

Como pessoa adulta, continuo gostando muito de livros infantis, este ano li “A mulher que matou o peixe” e “A vida íntima de Laura”, ambas obras de...

A moda na literatura

Moda e literatura podem parecer distantes, mas estão interligadas pela forma como as descrições de roupas em livros revelam status social e atmosfera de épocas, expressando identidade, cultura e história. Exemplos incluem “Madame Bovary”, onde as roupas de Emma Bovary refletem sua personalidade e aspirações, “O Grande Gatsby”, que mostra a opulência dos anos 1920, e “Bonequinha de Luxo”, onde Holly Golightly é sofisticada, mas na verdade pobre.

Todos os conteúdos de autoria editorial do Portal Assobiar podem ser reproduzidos, desde que não sejam alterados e que deem os devidos créditos.

REDES SOCIAIS