A vida (quase secreta) dos escritores

Pessoas que gostam de livros possuem os mais diferentes hábitos de leitura: existem aqueles que só conseguem ler em ambientes silenciosos; os que conseguem ler no ônibus em meio ao barulho e solavancos; Os que leem antes de dormir; Aqueles que fazem uma listinha e programam as leituras; E os que pegam qualquer livro na estante; Os que fazem anotações nos livros, enquanto leem; os que deus-me-livre-não-pode-escrever-nos-livros, e mais outros tantos hábitos e tipos de leitores que renderiam uma boa dose de reflexões, histórias e causos para contar. Mas, existe um tipo de leitor específico cujo interesse ultrapassa a mera leitura da obra e, ele se vê pesquisando mais sobre a vida do autor e, às vezes mesmo, escrevendo biografias.  

A primeira vez em que quis conhecer um autor para além de sua obra foi quando li “Perto do coração selvagem“, da Clarice Lispector. Eu tinha 16 ou 17 anos e aquele livro me impactou de tal maneira que desejei ler todos os livros da escritora e saber mais sobre seu processo de escrita e sobre sua vida. Descobri que esse mesmo anseio foi o que impulsionou a maioria das biografias sobre a autora, como por exemplo Eu sou uma pergunta: uma biografia de Clarice Lispector (1999), da Tereza Monteiro; Clarice: uma vida que se conta (1995), da Nádia Battella Gotlib; Clarice, (2009), do Benjamim Moser.

Tereza teve contato com a obra da Clarice pela primeira vez aos 15 anos, numa aula de Língua Portuguesa, mas foi de fato “apresentada” à escritora, em 1981, por meio da cantora Maria Bethânia, que no espetáculo Estranha Forma de Vida, declamava um texto da autora. Saiu do show fascinada: “Tenho que ler a obra dessa mulher!”. E ela não apenas leu todos os livros como se dedicou a conhecer e escrever sobre a Clarice Lispector. Em 2021, lançou uma versão revista e aumentada de Eu sou uma pergunta, com um novo título: À procura da própria coisa – Uma biografia de Clarice Lispector.

Assim como Tereza Montero, Nádia Gotlib é pesquisadora. Seu interesse pela literatura clariciana surgiu quando ela, universitária do curso de Letras, ganhou um exemplar de Laços de Família. “A primeira leitura dos tais contos incluídos em Laços de família, livro que me despertou para o reconhecimento dessa peculiaridade da autora no seu modo de narrar, me instigou a seguir adiante no sentido de tentar decifrar o que ela, a autora, me dizia”. Nádia foi “fisgada” e como professora de pós-graduação, se sentiu motivada a pesquisar mais e escrever sobre a obra e vida da Clarice. Ela examinou os diversos textos produzidos pela autora, colheu depoimentos e também informações em quase três mil documentos depositados pelos herdeiros da escritora nos arquivos da Fundação Casa de Rui Barbosa. Além disso, viajou aos lugares onde Clarice viveu. O resultado foram os livros Clarice: uma vida que se conta e Clarice fotobiografia.

Um acaso fortuito levou o escritor estadunidense Benjamim Moser a conhecer Clarice Lispector na faculdade: ele havia se inscrito no curso de chinês, mas como essa língua lhe pareceu impossível de aprender, ele trocou por outra disciplina no mesmo horário e acabou sendo Língua Portuguesa. Nesse curso ele leu o romance A Hora da Estrela. “Quem gosta de Clarice reconhece essa sensação de amor à primeira vista que temos com Clarice. Eu nunca esqueci essa sensação de abrir A Hora da Estrela, nunca me largou”. Esse amor resultou no livro Why This World: A Biography of Clarice Lispector, lançado originalmente em 2009, que recebeu o título em português de Clarice, (Clarice vírgula). 

Como artesãos da palavra, criadores de mundos inteiros, os escritores – assim como leitores – costumam cultivar rituais, neste caso no processo criativo de escrita.  Embora escrevam histórias fictícias, podem se inspirar em suas próprias experiências, uma vez que a criação literária pode ser também uma jornada de auto expressão, auto descoberta e até mesmo de auto dúvida. As palavras que fluem dos autores, por meio dos livros, são muitas vezes sua própria busca por significado e compreensão no mundo, isso ficou ainda mais latente para mim ao conhecer mais sobre a vida da Clarice Lispector. Sua obra é como uma dança delicada entre a imaginação e a realidade, entre o mundo interior e o exterior.

“Escrevo simplesmente. Como quem vive. Por isso todas as vezes que fui tentada a deixar de escrever, não consegui. […] Um jornalista me perguntou: Por que é que você escreve? Então eu lhe perguntei: Por que você bebe água? A honestidade é muitas vezes uma dor.”

” Minha ação é a das palavras.”

” Eu sou extremante realista. Mas acontece o seguinte: eu ‘adivinho’ a realidade mais do que eu a vejo. E esse meu relacionamento de adivinhação com a realidade – é mágico.”

“Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida.”

Idayane Ferreira

“Jornalista com “abundância de ser feliz”, mais “da invencionática” do que “da informática”, acredita piamente que Manoel de Barros escreveu “O apanhador de desperdícios” baseando nela.“

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