Recentemente, o Brasil perdeu o filósofo, poeta, escritor, professor, líder quilombola e ativista político brasileiro, Antônio Bispo dos Santos ou Nêgo Bispo. Ele é natural do Vale do Rio Berlengas, no Piauí. Sua formação inicial se deu pelas mãos de mestras e mestres de ofício do quilombo Saco do Curtume, no município de São João do Piauí, foi considerado um dos maiores intelectuais do Brasil, refletindo o contemporâneo partir das experiências quilombolas. Ele que cunhou o termo “contracolonização”. Nêgo Bispo faleceu em 3 de dezembro de 2023, aos 63 anos. É sobre um de seus livros A Terra Dá, A Terra Quer que irei falar hoje.
Esse livro não comporta textos essencialmente literários. São, sobretudo, escritos que revelam o modo de viver de quilombolas da região do Piauí, o que não impede de ser uma escrita poética, que revela a cosmopercepção – termo mais amplo que a cosmovisão e que utiliza a cultura, os valores, a organização social, a língua e o sagrado, para compreender como os indivíduos e sociedades percebem e representam as serpentes – de Nêgo Bispo. Ele escreve como quem conta causos e semeia palavras. Sua obra é contracolonial, ele assim define: “Quando completei dez anos, comecei a adestrar bois. Foi assim que aprendi que adestrar e colonizar são a mesma coisa. Tanto o adestrador quanto o colonizador começam por desterritorializar o ente atacado quebrando-lhe a identidade, tirando-o de sua cosmologia, distanciando-se de seus sagrados, impondo-lhe novos modos de vida e colocando-lhe outro nome. O processo de denominação é uma tentativa de apagamento de uma memória para que outra possa ser composta”. Bispo ainda fala de conexão e desconexão e que o pecado original não foi comer uma maçã, mas nos desligar do reino animal. Ele nos fala de pagamentos, de chegar à cidade e pagar terreno pra construir, de pagar pela casa, pagar por tudo… do Capital engolindo o humano.
A terra dá, a terra quer é um livro necessário, nele é perceptível que Bispo não imagina um mundo. Ele fala de um mundo: o seu mundo quilombola que dialoga em equivalência com os demais mundos. Tais falas inevitavelmente causam tensões, pois são perspectivas distintas para mundos distintos e que, em 500 anos de Brasil, nunca foram consideradas.
“No dia em que os quilombos perderem
o medo das favelas, que as favelas confiarem nos
quilombos e se juntarem às aldeias, todos em confluência, o asfalto vai derreter”.
Graduada em Serviço Social pela UNISULMA e faço parte do Clube de Livros Mulheres em Prosa que é um grupo de leitura de mulheres que leem mulheres e que se reúnem uma vez a cada dois meses para debater uma obra de autoria feminina. Nessa coluna, pretendo compartilhar com vocês sobre as leituras que já fiz e quais as percepções que elas me trouxeram. Uma frase que gosto muito é da Rosa Luxemburgo que diz o seguinte: ”Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem”.