CRIANÇAS NA VITRINE DIGITAL: proteção, privacidade e percepções sobre a infância on-line

Como professora há mais de 10 anos, estou constantemente imersa no universo infantil e adolescente. Escuto e falo com diversas crianças e suas famílias o tempo todo. Tenho muitos alunos, ex-alunos e familiares que me seguem nas redes sociais e gostaria de falar sobre isso.

Por incrível que pareça, fico mais informada sobre a vida pessoal das crianças pelas redes sociais do que por meio de conversas com os pais e responsáveis. Por exemplo: sei quando elas vão passear na Beira Rio, sei quando estão doentes (ou quando o irmão ou irmã está doente), fico sabendo das festinhas de aniversários, sei quando elas faltam à escola e os pais dizem que estão doentes, mas na verdade não é bem assim… conheço as igrejas que frequentam e seus horários…

Consigo obter todas essas informações mesmo não sendo muito ativa nas redes sociais. Para falar a verdade, quase todas as minhas redes sociais são silenciadas. E isso é o que me espanta! Se eu sei de tudo isso, pense: Quem mais sabe sobre a rotina do seu filho ou filha?

Estou comentando sobre isso porque recentemente li uma frase em um post no Instagram que me fez refletir sobre essa situação: “Os adultos de hoje não nasceram na geração digital, ainda não têm noção dos impactos e das consequências de ter suas imagens expostas nas redes sociais de maneira indiscriminada” (agencia_lupa, 2024).

Essa exposição exagerada que as crianças de hoje sofrem, como se estivessem sendo colocadas em vitrines digitais, nas redes sociais é um fenômeno que merece nossa atenção e reflexão crítica. Além de pôr a segurança física da criança em risco, quando detalhes do cotidiano infantil são compartilhados sem limites, as consequências podem ir além da perda de privacidade, afetando profundamente o bem-estar e a segurança emocional das crianças.

Elas podem se tornar alvo de cyberbullying, ter sua autoestima impactada ou enfrentar ansiedade decorrente da pressão social. Além disso, a permanência dessas informações na internet cria um registro digital que pode seguir esses jovens por toda a vida, influenciando suas futuras oportunidades e relações sociais.

Quero deixar aqui alguns exemplos para ficar mais claro: é impossível entrar nas redes sociais, sobretudo nas mais famosas do momento atual, como Instagram e TikTok, e não encontrar trends onde pais expõem crianças de várias maneiras. Agora, pense novamente: qual a necessidade de gravar sua filha ou filho dançando, falando palavrões ou de quebrar um ovo na testa dele ou dela e expor na rede para centenas ou milhares de pessoas assistirem? Qual o interesse de uma criança de 4, 5, 6 anos… nisso? Será que o interesse não é do próprio adulto, que está usando a imagem da criança para ganhar likes e engajamento?

De acordo com a @agencia_lupa e as políticas de uso das próprias plataformas de redes sociais, a idade mínima para poder ter uma conta e se tornar um usuário na maioria das redes sociais é de 13 anos. Mas, como mencionei no início, muitos dos meus alunos e ex-alunos são expostos bem antes da idade recomendada. E às vezes sem nem imaginar que isso está acontecendo. Sei disso porque, quando eu comento, geralmente na segunda-feira, que vi ele ou ela andando de bicicleta na Beira Rio ou brincando na piscina, as perguntas que sempre surgem imediatamente são: onde você viu? Como você sabe disso?

É sempre bom lembrar que, apesar do “filho ou filha ser seu  (a)”, a criança é uma ser de direitos e não uma propriedade ou um troféu. Ela tem dimensões complexos como os adultos (como você). Ele ou ela é um ser emocional, social, biológico e intelectual. Crianças devem ser preservadas e terem sua privacidade respeitada. Não devem ser ridicularizadas, constrangidas ou amedrontadas.

O vídeo daquela brincadeira que você gravou e fez seu filho ou filha sentir vergonha ou chorar, aquela birra no supermercado, ou aquele momento em que ele ou ela estava em casa sem camisa, vai acompanhar sua criança por toda a vida depois de postado na rede.

Por fim, quero dizer que não estou aqui para ditar o que os pais e responsáveis podem ou não postar sobre suas crianças em suas redes sociais, estou apenas levantando um pensamento que pode ainda não ter ocorrido a você, responsável por alguma criança. Afinal, nós, adultos de hoje, não sabemos quais consequências essa exposição ilimitada da infância nas vitrines digitais da internet pode trazer o restante da vida das pessoas.

Aline Borges

Sou imperatrizense com orgulho! Educadora, estudante, leitora e ouvinte de boas músicas e histórias. Pedagoga por formação, leciono na Uemasul de Açailândia e na Educação Básica em Imperatriz. Acredito no que disse Vinícius de Moraes “A vida é arte do Encontro”.

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