Quando eu não puder pisar mais na avenida. Quando as minhas pernas não puderem aguentar levar meu corpo junto com meu samba. O meu anel de bamba, entrego a quem mereça usar.
(Não deixe o samba morrer)
Conhecida como uma das Rainhas do Samba e integrante ilustre do ABC do Samba ao lado de Beth Carvalho e Clara Nunes, Alcione é uma figura ímpar no cenário musical brasileiro. Sua voz incomparável ressoa não apenas nos sambas, mas também nas românticas canções que conquistaram fãs em vários países.
Nascida em São Luís, Maranhão, em 21 de novembro de 1947, Alcione Dias Nazareth é uma ícone da música popular brasileira. Conhecida carinhosamente como “Marrom”, “Dama do Samba” e “A Voz do Samba”, sua história é um fascinante percurso de uma vida inicialmente distante da música para os palcos e estúdios, marcada por sua voz grave inconfundível.
Quarta entre nove irmãos, nasceu em uma família marcada pela música e pela força de sua mãe, Filipa Teles Rodrigues. Seu pai, João Carlos Dias Nazareth, policial e integrante da banda da Polícia Militar do Maranhão, desempenhou um papel crucial em sua jornada musical. A influência paterna a conduziu ao estudo de instrumentos de sopro: ele a introduziu, desde os 9 anos, aos encantos instrumentais como o trompete e o clarinete. Ela revelou-se uma multi-instrumentista talentosa e sua jornada musical iniciou-se aos 12 anos, cantando na Orquestra Jazz Guarani, regida por seu pai. O apelido “Marrom” surgiu nesta fase, dado pelos integrantes da orquestra, marcando o início de uma jornada promissora.
Apesar do talento evidente, Alcione seguiu o caminho do magistério, tornando-se professora primária. Em sua breve incursão no ensino enfrentou obstáculos, sendo demitida por ensinar trompete aos alunos. Sua demissão a impulsionou a abraçar seu talento de forma intensa, marcando o início de uma carreira brilhante. Foi a porta de entrada para a realização de seu grande sonho: ser uma sambista de renome.
Aos 20 anos, decidiu dedicar-se integralmente à música, mudando-se para o Rio de Janeiro. A mudança marcou um ponto crucial em sua biografia, impulsionando-a para os palcos noturnos, programas de TV e concursos de calouros. Seu início na cena carioca incluiu passagens por boates icônicas como Little Club, no Beco das Garrafas, e a TV Excelsior.
Seu primeiro disco, “A Voz do Samba” (1975), conquistou o reconhecimento nacional, especialmente com o hit “Não Deixe o Samba Morrer” e foi o ponto de partida para a consagração nacional. A partir daí, sucessos como “A Loba,” “Você me Vira a Cabeça,” e “Meu Ébano” pavimentaram seu caminho como uma das maiores intérpretes brasileiras. A voz potente de Alcione ultrapassou fronteiras, levando a riqueza do samba e da MPB para mais de 30 países. Sua carreira internacional é notável e decolou após uma extensa turnê, que incluiu uma estada na Itália por dois anos.
A cantora é uma entusiasta do carnaval e uma referência no universo do samba. Seu retorno ao Brasil consolidou seu vínculo com a Estação Primeira de Mangueira, que começou em 1974. Em 1987 fundou a escola de samba mirim da Mangueira, tornando-se presidente de honra do Grêmio Recreativo Cultural Mangueira do Amanhã. Sua dedicação ao samba também se estendeu à fundação do Clube do Samba em 1989, ao lado de Dona Ivone Lara, Martinho da Vila e Clara Nunes, consolidando-se como uma referência na preservação e promoção do samba brasileiro.
Ao longo de 50 anos de carreira, sua discografia é um testemunho de sua versatilidade e sucesso. Com três compactos, 21 LPs, 19 CDs e nove DVDs, ela construiu um legado musical admirável. Seus feitos na música e dedicação ao carnaval lhe renderam mais de 20 discos de ouro e sete de platina, além de diversos prêmios, incluindo um Grammy Latino, em 2003, na categoria Melhor Álbum de Samba. Alcione acumula mais de 350 troféus, títulos e honrarias, incluindo o Pensador de Marfim de Angola, A Voz da América Latina pela ONU, Medalhas Pedro Ernesto e Tiradentes, a Medalha do Mérito Timbiras, a Medalha Daniel De La Touche, a Medalha Luiz Gonzaga e o Prêmio de Melhor Cantora Popular da Academia Brasileira de Letras.
Além de sua influência musical, Alcione é lembrada por nomear teatros, viadutos e inspirar sambas-enredo. Deixou sua marca também na TV, participando de novelas e contribuindo para trilhas sonoras. A eterna Marrom continua a encantar, ultrapassando fronteiras e enaltecendo o samba brasileiro: sua presença no Rock in Rio em 2015 e 2019 demonstra sua versatilidade, conquistando públicos diversos com sua presença marcante.
Na vida pessoal, nunca oficialmente casada, Alcione optou por relacionamentos estáveis. Em entrevista para a revista Marie Claire, em novembro de 2022, ela falou sobre a impossibilidade de ter filhos, após ser diagnosticada com um mioma – tumor benigno no útero – antes dos 30 anos. Na época, a única opção que recebeu foi a retirada total do útero. “Precisei fazer histerectomia, tirei o útero, tudo. Eu costumava ter um sangramento muito grande durante muito tempo, com muita dor. Ficava assim dez dias durante o período menstrual. Então a solução na época foi remover o útero”.
Embora não tenha filhos, ela disse que adorava os sobrinhos: “Não tive filhos, mas tenho sobrinhos. Meus irmãos foram tendo filhos e aquilo foi me preenchendo. Tem um que sou enlouquecida, o Otto, de 4 anos, neto da minha irmã Maria Helena. Ela reforçou ainda que nunca havia pensado em adoção e que não se sentia frustrada: “Não pensei em adotar até porque já tinha muita criança para dar atenção. E eu viajava muito. Você não pode adotar uma criança e viajar. Adotar para deixar na mão dos outros? Não mesmo. E não tenho frustração por nada, acredita? Tem um ditado que uso muito que é ‘cuidado com aquilo que você quer muito, porque você pode ter’. Por outro lado, quando você não pode ter, é melhor deixar assim. Então, não me sinto frustrada”.
Com seu legado e carreira ilustres, Alcione Dias Nazareth continua a ser uma voz que enche nossos corações de orgulho. Em entrevista ao G1, também em 2022, em comemoração às suas cinco décadas de carreira, ela disse que todos os dias expressa sua gratidão por meio da oração, agradecendo a Deus pelo dom inquestionável de cantar, uma habilidade que ela nunca aprendeu em aulas formais. Assim, a “Marrom” continua a brindar o mundo com sua voz inconfundível e sua presença magnética.