Berta Cáceres: Ativista ambiental e Líder indígena

Você tem a bala, eu tenho a palavra. A bala morre quando detonada; a palavra vive ao ser replicada. (Berta Cáceres, ativista ambiental hondurenha)

Berta Cáceres. Ilustração: Idayane Ferreira

Nos últimos dois ou três meses, Daniela e eu temos nos dedicado à organização de um treinamento sobre jornalismo ambiental e conflitos socioambientais voltado a jornalistas, comunicadores e estudantes de jornalismo. Nossas experiências profissionais nos permitiram conhecer e acompanhar conflitos ambientais e sociais existentes em nossa região, de tal forma que sempre estivemos envolvidas, de diferentes maneiras, em trabalhos de denúncia e conscientização, direcionados também a jornalistas, sobre as violações dos direitos humanos e da natureza.

Conhecer e promover a conscientização sobre os conflitos socioambientais ajuda nossa sociedade a compreender a urgência da proteção ambiental, principalmente porque grande parte desses conflitos gira em torno da preservação de ecossistemas essenciais à vida do planeta. Além disso, envolvem comunidades locais que enfrentam a perda de suas terras, meios de subsistência e acesso a recursos naturais. É importante destacar também que as questões ambientais não conhecem fronteiras, já que conflitos locais têm impacto global, como é o caso das mudanças climáticas.

A mulher que escolhi para o perfil de hoje tinha um profundo senso de humanitarismo e deixou um legado duradouro de coragem e dedicação à justiça ambiental e aos direitos indígenas: Berta Cáceres.

Nascida em 04 de março de 1971 na cidade de La Esperanza, Honduras, Berta Isabel Cáceres Flores cresceu em um período conturbado na América Central. Inspirada por sua mãe, uma ativista social e parteira, Berta cresceu acreditando na importância de lutar por um mundo mais justo. Em 1993, ela se tornou uma das cofundadoras do Consejo Cívico de Organizaciones Populares e Indígenas de Honduras (COPINH). 

Essa organização indígena pluralista e anticapitalista atua na defesa dos direitos políticos, sociais, culturais e econômicos dos povos indígenas do país. Sua luta abraçava os pilares da justiça social, rejeição ao patriarcado e combate ao racismo. Como líder do COPINH, Berta liderou campanhas em diversas frentes, desde a luta contra a extração ilegal de madeira até o protesto contra a construção de bases militares em território Lenca. Além disso, era uma defensora do feminismo, dos direitos LGBT e das causas indígenas.

Em 2006, Berta se destacou em uma batalha contra a construção da hidrelétrica de Agua Zarca, um projeto que ameaçava a vida do rio Gualcarque, sagrado para o povo Lenca, a maior comunidade indígena de Honduras. A empresa hondurenha DESA e a chinesa Sinohydro lideravam o empreendimento, colocando em risco as comunidades locais e seus modos de vida ancestrais.

Ela liderou uma campanha incansável contra o projeto, denunciando os impactos socioambientais e mobilizando a comunidade para resistir. Seus esforços levaram à retirada da Sinohydro e da International Finance Corporation do Banco Mundial do projeto. A oposição a projetos prejudiciais como Agua Zarca resultou em violência, perseguições e ameaças de morte a Berta e outros líderes indígenas. A situação se intensificou após o golpe militar de 2009 em Honduras, que aprofundou a repressão institucional no governo de Manuel Zelaya. Esse golpe deu origem a uma explosão de projetos prejudiciais aos povos indígenas, incluindo megaprojetos de mineração e barragens hidrelétricas.

No entanto, Berta não estava sozinha. Em 2015, recebeu o Prêmio Goldman, conhecido como o “Nobel do meio ambiente”, em reconhecimento pela sua luta incansável em defesa da justiça socioambiental. Ela acreditava que os rios, ocupados por hidrelétricas, clamavam por ajuda. Em seu discurso ao receber o prêmio, exortou todos a se unirem pela proteção do meio ambiente, da vida e da esperança. Sua mensagem ressoa como um chamado à ação e à solidariedade:

“¡Despertemos¡ ¡Despertemos Humanidad¡ Ya no hay tiempo Nuestras conciencias serán sacudidas por el hecho de solo estar contemplando la autodestrucción basada en la depredação capitalista, racista y patriarcal. El Río Gualcarque nos ha llamado, así como los demás que están seriamente amenazados. Debemos acudir. La Madre Tierra militarizada, cercada, envenenada, donde se violan sistemáticamente los derechos elementales, nos exige actuar. Construyamos entonces sociedades capaces de coexistir de manera justa, digna y por la vida. Juntémonos y sigamos con esperanza defendiendo y cuidando la sangre de la tierra y los espíritus.”

[“Vamos acordar! Vamos acordar a Humanidade! Não há mais tempo. As nossas consciências ficarão abaladas pelo fato de apenas contemplarmos a autodestruição baseada na predação capitalista, racista e patriarcal. O Rio Gualcarque chamou-nos, assim como outros que estão seriamente ameaçados. Devemos ir. A Mãe Terra militarizada, cercada e envenenada, onde os direitos elementares são sistematicamente violados, exige que atuemos. Construamos então sociedades capazes de coexistir de forma justa, digna e para a vida. juntem-se e continuem com esperança defendendo e cuidando do sangue da terra e dos espíritos.”]

A história de Berta Cáceres se assemelha à de outros defensores do meio ambiente, como Chico Mendes, Dorothy Stang e José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, todos vítimas de assassinatos brutais. Menos de um ano após receber esse prestigioso prêmio, em março de 2016, Berta Cáceres foi assassinada em sua casa por homens armados. Esse ato chocante desencadeou uma onda de indignação e condenação internacional. O governo hondurenho prometeu investigar o assassinato, e um dos suspeitos, Roberto David Castillo Mejía, foi condenado a 22 anos de prisão em junho de 2022 por sua participação no assassinato de Berta Cáceres.

O assassinato de Berta teve como objetivo silenciar a luta dos povos indígenas, mas a memória dela continua viva e inspirando ativistas em todo o mundo a defender o meio ambiente e os direitos humanos. A luta por justiça, igualdade e sustentabilidade ambiental continua, como um testemunho do legado de Berta e da resistência de seu povo.

Conheça mais sobre a vida da Berta:

Música/Clipe “Aliados/A la memoria de Berta Cáceres”

Filme “Guardiana de los Ríos”

Relatório do The Intercept

Site do COPINH

Idayane Ferreira

últimas publicações

"O que não contam, nós assobiamos"

Todos os conteúdos de autoria editorial do Portal Assobiar podem ser reproduzidos, desde que não sejam alterados e que deem os devidos créditos.