Modo Glória Maria: uma chave para usarmos antes da raiva do julgamento alheio explodir

 “Só em ser quem eu sou. Não tem posicionamento maior que esse”.  A ocasião da morte da eterna Glória Maria trouxe para a superfície das redes sociais uma série de pílulas de entrevistas e reportagens feitas por ela. Digo sem medo de errar que é pouco provável que você não tenha visto ao menos um desses cortes no rolar dos stories dos amigos. O pioneirismo e a referência de Glória são incontestáveis. Ponto! 

Feito tal registro, parto para um desses tantos trechos. E adianto que a ideia é pensarmos como ela emanava dois aspectos que se mostram cada vez mais essenciais nos nossos dias: conhecimento de si e integridade. Se você já se converteu à terapia, independente da vertente, possivelmente também já se deparou com esses desafios íntimos. 

A resposta firme de Glória Maria durante sua participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, foi a um questionamento sobre a existência de uma eventual pressão por posicionamento em relação ao racismo.  Ali, considero eu, a jornalista e apresentadora personificou a ideia clichê de ‘se tenha como centro, e nada te abalará’. 

Glória mostrou que conhece, reconhece e, acima de tudo, aceita seus processos, suas experiências e seus aprendizados. Ali ela recusou se ver pelas lentes limitadas do outro. Pelo contrário, sábia e educadamente jogou luz em si. Disse nas entrelinhas ‘me veja como eu me vejo, me veja a partir da minha história’. 

E é exatamente isso que a integridade, associada à aceitação dos próprios processos, faz conosco: nos blinda do olhar e dos achismos enviesados do outro – não importa sobre qual tema. Mas quantas vezes você consegue ter o afastamento suficiente para saber que uma fala do outro diz mais dele próprio do que de você e, então, ficar em paz com isso? O outro tem seus próprios monstros. Registre-se como nota mental. 

É uma pena que nos deixemos abalar tão facilmente quando julgam nossa forma de falar, de se relacionar, de se afetar, de agir ou reagir, nossas escolhas e intenções.

Não seria a angústia debelada se uma luz se acendesse bem naquele momento em que a raiva explode, revelando uma camada mais interna na qual nós também não aceitamos aquele nosso jeito de ser? Não seria a angústia debelada se usássemos da autocompaixão para aceitar que foram nossas vivências – traumáticas ou não – que nos fizeram o que somos – e está, de fato, tudo bem? 

Integridade é o estado ou característica daquilo que é inteiro. Hoje meu convite é para que exercitemos esse olhar sobre nós, de inteireza, ainda que precisemos deslocar um pouco o sentido do termo. Reconhecermo-nos inteiros, mesmo com aqueles buracos abertos no peito. Reconhecermo-nos inteiros, apesar de algumas partes estilhaçadas. 

Se há feridas, dores e traumas, que procuremos a melhor forma de tratar ou ainda mudar a perspectiva da qual olhamos determinada questão. Caso precise, peça ajuda. O importante é compreender que, enquanto esse lugar desejável não chega, é salutar reconhecer nossa história ao invés de nos lançarmos aos chicotes. 

O mundo é vasto, as vivências múltiplas, e não há uma fórmula qualquer que se adapte a todas as realidades. As mudanças – e que decidamos fazê-las por decisão própria, e não por efeito do “certo é assim ou assado” imposto por aí – custam tempo, dedicação, observação, muitas idas e vindas. Não sei a você, mas me acalma saber que é assim para todos os humanos. 

Que o compromisso com a integridade nos leve a sermos para fora aquilo que percorremos por dentro. Que quem nos veja não precise de muitas explicações. Que não recorramos ao refúgio de parecer ser. Mas que nossa existência seja o estandarte de nós mesmos.

Mari Leal

Mulher preta, baiana do interior, mas acolhida pela capital (Salvador). Jornalista de formação, fui pescada para a cobertura política muito cedo, e aí estou há uma década. Na vida, um ser que deseja experimentar a multiplicidade do Universo e dos universos (humanos). Um coração pisciano que deseja desbravar o desconhecido. Amo os clichês e a forma como se mostram imperativos na vida cotidiana. Simples e grandiosos, acredito que carregam os segredos de um viver “ser”. Como Belchior, “não quero o que a cabeça pensa, quero o que a alma deseja”. E talvez seja este o meu principal desafio. Neste espaço, te convido para refletirmos sobre o cotidiano e como a vida prática nos atravessa.

Outras colunas

Os livros clássicos são realmente bons?

O texto explora se os livros clássicos são realmente “bons” e discute o que faz um livro ser considerado um clássico. A autora reconhece que a qualidade de um livro é subjetiva e varia de acordo com o gosto pessoal e o contexto cultural dos leitores. Clássicos são geralmente valorizados por sua influência duradoura, profundidade temática e qualidade literária. No entanto, nem todos os leitores necessariamente apreciam esses livros, já que alguns podem achá-los datados ou difíceis de ler.

"O que não contam, nós assobiamos"

Todos os conteúdos de autoria editorial do Portal Assobiar podem ser reproduzidos, desde que não sejam alterados e que deem os devidos créditos.